A evolução das restrições orçamentárias e as notícias recentes de bloqueios de recursos da Universidade

Eduardo Mota – Pró-reitor de Planejamento e Orçamento da UFBA

Anunciam-se novos bloqueios e cortes nos recursos das universidades federais. Como isto não é novo e segue a política nacional atual de desvalorizar a educação superior pública, é necessário conhecer melhor qual tem sido a evolução recente das restrições orçamentárias, a partir do que tem ocorrido com a Universidade Federal da Bahia.

O valor de recursos discricionários para despesas de custeio da UFBA, inscrito na Lei Orçamentária Anual – LOA de 2022, no montante de R$ 147.210.606,00, é 11,9% menor que o valor de 2016, o maior da série desde 2014. A diferença em valores nominais entre 2016 e 2022 é de R$19.868.406,00. E essa diferença já vinha se acumulando criticamente de 2019 a 2021, como se observa no gráfico a seguir.

 

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Entretanto, não é somente esta a diferença acumulada em detrimento dos recursos indispensáveis à manutenção da Universidade. Com efeito, a variação acumulada do índice IPCA entre 01/01/2016 e 01/01/2022 é da ordem de 36,2%. Atualizando-se o valor orçamentário de custeio de 2016 por esse percentual, obtém-se a cifra de R$227.573.771,14, de modo que a diferença entre o valor corrigido e o valor nominal de custeio de 2022 é de R$80.363.165,14. Esse cálculo não é meramente ilustrativo, haja vista o fato de que todos os contratos administrativos são ajustados anualmente pelos índices inflacionários. Esta, portanto, é a real magnitude da defasagem orçamentária a que a UFBA vem sendo submetida nos últimos anos, apenas pelo critério da correção inflacionária. As necessidades de manutenção da Universidade ultrapassam esses montantes.

Quanto aos valores de capital, indispensáveis para concluir obras inacabadas desde o período do REUNI, e também para adquirir equipamentos e mobiliário que necessitam ser repostos ou atualizados anualmente, a situação é tão ou mais crítica. A partir de 2019, retirou-se quase todo o valor orçamentário de capital da LOA e, em 2021, um veto presidencial praticamente zerou essa rubrica, que não foi recuperada no orçamento de 2022. Equipamentos de tecnologia de informação e para laboratórios de ensino e pesquisa são adquiridos com recursos de capital, de modo que sua insuficiência compromete diretamente a continuidade das atividades acadêmicas da Universidade com a qualidade que se deseja.

Portanto, o orçamento da Universidade já tem sofrido um corte profundo na disponibilidade dos recursos de custeio que respondem pelas despesas com o pagamento de contratos continuados diversos, que incluem, entre outros: luz e água, segurança e vigilância, limpeza, portaria, transporte, manutenção predial e de áreas de circulação, a aquisição de materiais de consumo e o apoio às unidades universitárias no suporte às atividades de ensino em campo para o cumprimento de programas curriculares obrigatórios. As atividades de ensino, pesquisa, extensão e assistência estudantil são diretamente comprometidas com a restrição de recursos.

Esse difícil cenário agravou-se ainda mais com o anúncio, em 27/05/2022, de um bloqueio de R$26.029.266,00 dos recursos de custeio da UFBA. Esse valor representava 25,1% do originalmente disponível para o ano corrente e correspondia a aproximadamente quatro meses dos gastos com o pagamento de contratos administrativos. Após uma série de manifestações de repúdio a esse bloqueio (entre as quais a da UFBA), o governo federal recuou parcialmente em 04/06/2022, reduzindo o valor bloqueado para R$12.875.173,00, equivalente a 12,4% do valor originalmente inscrito na LOA para despesas de custeio. Em 09/06/2022, informou-se que uma parte desse bloqueio (R$6.471.041,00) será cortado, tendo sido redirecionado para o pagamento de outras despesas do Governo Federal – situação semelhante à que ocorre com as demais universidades federais. Efetivado este corte, o valor orçamentário de custeio da UFBA em 2022 será menor do que o de 2014!

Convém lembrar que, infelizmente, bloqueios e cortes orçamentários não são novidade para as universidades federais. Desde 2014 convive-se com contingenciamentos de recursos que, embora suspensos ao longo do ano, dificultam a execução orçamentária, prejudicando significativamente obras, aquisições de bens e prestação de serviços os mais diversos. É preciso também enfatizar que, entre 2020 e 2021, os recursos da assistência estudantil da UFBA sofreram redução de 7,2 milhões de reais, prejudicando principalmente os estudantes em maior vulnerabilidade socioeconômica.

O longo período da pandemia da Covid-19, desde o início de 2020, exigiu enorme esforço da gestão da UFBA para manter suas atividades, no contexto das medidas protetivas e restrições que a prevenção da transmissão da doença exigia. Neste momento, a UFBA se organiza para dar início ao segundo semestre do ano letivo, retomando seu pleno funcionamento presencial. Preparam-se os espaços para o trabalho administrativo e realiza-se a recuperação de laboratórios de ensino, auditórios e salas de aula, alguns fechados por quase dois anos. Todo esse trabalho requer inclusive a ampliação das despesas com limpeza, manutenção predial, vigilância e com materiais de consumo, e certamente resultará em aumento de despesas com luz e água, para o que os recursos de custeio do funcionamento, ora bloqueados, farão falta, a ponto de inviabilizar o pleno funcionamento presencial da Universidade no segundo semestre, caso o bloqueio e o corte não sejam revertidos.

Em contraste com as severas restrições orçamentárias, entre 2016 e 2021, o número de matrículas em cursos presenciais de graduação da UFBA aumentou 28,1%, com expressivo contingente de matrículas em cursos noturnos (31,0%) que demandam despesas adicionais. No mesmo período, o número de matrículas em cursos de pós-graduação stricto sensu aumentou 39,1%. No conjunto, a UFBA realizou, em 2021, 44.015 matrículas em cursos presenciais de graduação e 8.156 matrículas em cursos de pós-graduação nos seus três campi: Salvador, Camaçari e Vitória da Conquista (confira os dados aqui). Em infraestrutura predial, entre 2016 e 2021, a UFBA aumentou em 17,9% sua área construída, com a conclusão de obras que estavam paralisadas desde 2014, ampliando a demanda por serviços administrativos diversos.

A recuperação do desinvestimento acumulado em educação superior requer disponibilização de recursos na medida das necessidades da universidade pública e é algo que demandará tempo. E uma vez paralisadas as atividades de ensino, pesquisa e extensão, uma retomada não se fará em pouco tempo e exigirá mais investimentos em infraestrutura e equipamentos do que o necessário para a sua manutenção em condições regulares. Ademais, cortes nos recursos para a assistência estudantil comprometem a manutenção dos programas de inclusão e de permanência para discentes em condições de vulnerabilidade social, além dos auxílios para residência, creche e alimentação, impedindo assim que a universidade pública cumpra sua missão de reduzir desigualdades e promover oportunidades iguais para todos. Do mesmo modo, ficam comprometidos serviços públicos de saúde prestados pela Universidade, essenciais para a população e para a capacitação profissional. Afeta-se assim o desenvolvimento social e econômico e danifica-se o patrimônio social que as universidades públicas representam para o país. Perde, enfim, toda a sociedade.