A Instrução Normativa 65 e o conto do vigário que promete felicidade plena no teletrabalho
Por Adelmaria Ione*
Estas breves linhas objetivam refletir sobre os discursos falaciosos, amplamente utilizados pelo Governo Federal e pelo amplo setor da mídia impressa e eletrônica nacional, a respeito do teletrabalho enquanto modalidade que propiciaria mais qualidade de vida aos servidores públicos vinculados aos órgãos da administração pública direta e indireta do governo federal, inclusive das universidades e institutos federais em todo o país a partir da implementação da Instrução Normativa 65.
Para se falar sobre a febre da suposta “nova” modalidade de trabalho vigente no serviço público, faz-se necessário estabelecer uma diferença fundamental entre “trabalho remoto” e “teletrabalho” previsto pela IN 65. Enquanto o “trabalho remoto” foi imposto pelo Governo Federal aos seus servidores em razão da pandemia do novo coronavírus que impossibilitou o trabalho presencial nas repartições públicas, ocasião na qual todos os direitos dos servidores foram mantidos legalmente, o “teletrabalho”, previsto pela IN 65 se fortalece no vácuo deixado pelo trabalho remoto e se caracteriza por ser uma adesão voluntária do trabalhador e/ou trabalhadora do setor público, alterando, inclusive, os seus direitos e garantias trabalhistas, pois, agora, o serviço público está autorizado a implementar a lógica de produtividade do sistema neoliberal.
Utilizando-se de um conto do vigário que promete felicidade plena com o discurso de proporcionar qualidade de vida ao servidor público, o Governo federal, por meio do Ministério da Economia, publicou em 30 de Julho de 2020, a Instrução Normativa 65 que trata do programa de gestão do poder público federal que prevê a implementação do teletrabalho. Como todo o conto do vigário, a IN 65 é, na verdade, um grande golpe de estelionato que busca atrair, por meio da adesão voluntária, uma parcela de servidores menos politizados quanto às mudanças nas relações de trabalho e os prejuízos financeiros a médios e longos prazos.
O estelionatário atrai as suas vitimas usando discursos que oferece facilidades, vantagens e favorecimentos. O golpe é dado com a promessa da felicidade plena e liberdade absoluta. A oferta inclui, ainda, a solução de todos seus problemas com o fim do trabalho presencial, uma vez que o servidor ou a servidora não terão mais controle de freqüência; não precisarão se deslocar, ficando horas e mais horas no trânsito. Outra “vantagem” do teletrabalho é a de que você terá mais tempo para a família, pois a narrativa é a de que você desenvolverá um trabalho sem dor e sem sofrimento, chegando, até mesmo, a desvirtuar um dos sentidos do termo trabalho como “tripalium”, que diz respeito a “instrumento de tortura”. O discurso do teletrabalho, como vocês já devem ter percebido, é sedutor e pode iludir e levar o servidor ou a servidora a fazerem às suas adesões voluntárias a um sistema que pretende precarizar as suas próprias vidas.
Assim, o servidor ou a servidora que aderirem ao teletrabalho imposto pela IN 65 logo perceberão o quanto foram enganados pelo conto do vigário. A promessa de qualidade de vida se transformará em um fardo muito pesado. A vida se transformará em metas e resultados a serem alcançado, cujo controle passará a ser realizado por plataformas eletrônicas de trabalho que passarão a mensurar a vida do trabalhador onde quer que ele esteja. Logo, o trabalhador ou a trabalhadora pública será enredado em uma malha de poder marcada pelo produtivismo, individualismo e por práticas antidemocráticas e anticooperativas que ocasiona o adoecimento físico, emocional e psicológico.
Além de mais produtividade típica do homo economicus contemporâneo, cuja única finalidade é superar a si mesmo em termos de métricas a serem alcançadas, o teletrabalho imposto pela IN 65 transfere ao servidor e/ou servidora os custos da prestação do serviço, ou seja, o trabalhador ou trabalhadora pública que aderi ao conto do vigário terá que arcar com todas as despesas operacionais de suas atividades, a exemplo dos aumentos do consumo da energia elétrica, internet, telefone, água, utilização de material de expediente, aquisição e manutenção de equipamentos eletrônicos e aquisição de mobiliário apropriado. Enfim, se muitos ainda acreditavam que teriam vantagens financeiras trabalhando em suas casas porque não gastariam economizariam tempo e dinheiro ao deixarem de se deslocar até a repartição pública, eles estão se esquecendo de incluir nesta conta todas as despesas advindas do teletrabalho que, como vimos, não são poucas.
Vale ressaltar que não estamos condenando o teletrabalho por completo, mas, precisamos alertar para as possíveis mazelas produzidas por essa modalidade de trabalho proposta pela IN 65. É preciso lembrar que uma lógica de trabalho como esta transforma a casa do servidor ou da servidora em uma repartição pública, uma vez que não há mais a típica separação entre os espaços públicos e privados, entre lazer e trabalho, entre ludicidade e produtividade. Nesta lógica, desligar-se das métricas produtivistas se torna algo proibido entre os servidores dessa modalidade de trabalho. Desta forma, companheiros e companheiras do serviço público, precisamos atuar para proibir o proibido, para lutar por o modelo de teletrabalho que não sequestre nossa subjetividade nos transformando em ciborgues contemporâneos programados para bater metas e não pensar sobre o significado delas em nossas vidas.
* Adelmária Ione é servidora Técnico-Administrativa em Educação da Unilab e Coordenadora de Formação Sindical da ASSUFBA Sindicato