A Terceirização no Serviço Público e o Estrangulamento das Universidades Federais Pelo Governo Bolsonaro

Por Graça Druck*

É de conhecimento público, a decisão do Governo Bolsonaro e do seu Ministro da Educação, formalizada junto aos Reitores das Universidades e Institutos Federais, de cortes dos recursos destinados a estas instituições.  Segundo nota do Reitor João Carlos Salles, de 3 de junho de 2019, disponível no site da UFBa, “estão contingenciados (ou seja, o crédito está disponível, mas o limite para o empenho de faturas não foi liberado) cerca de 48,2 milhões em custeio e 3,9 milhões em investimento. E estão bloqueados (ou seja, o próprio crédito está indisponível) cerca de 48,4 milhões em custeio e 5,8 milhões em investimento. Uma situação inédita na história das universidades, que “pode levar à interrupção das atividades regulares de ensino, pesquisa e extensão.” Nessa mesma nota, era informado que “…fornecedores já temem a interrupção de contratos continuados de prestação de serviços e, por esse receio, dificultam a gestão dos contratos, o que nos tem levado a um permanente esforço por respeitar e garantir as obrigações contratuais vigentes.” 

Tal decisão gerou protestos em todo o país. Milhões de pessoas foram às ruas em duas manifestações recentes. A maior parte da mídia brasileira se posicionou contrária a essa medida, divulgando matérias e programas especiais sobre a importância das universidades públicas, de suas pesquisas e atividades de extensão. Vários encaminhamentos judiciais e políticos foram feitos. Fóruns e Frentes reunindo universidades, parlamento e instituições da sociedade civil foram constituídos. 

Entretanto, até o momento não houve recuo do MEC. Os primeiros dramáticos resultados já apareceram. E não podia ser em outro lugar; o efeito nocivo dos cortes chegou aos segmentos mais vulneráveis e precarizados da Universidade: os trabalhadores terceirizados. O pagamento dos serviços terceirizados representa aproximadamente 60% das verbas de custeio da universidade. Diante da indisponibilidade dos recursos, as empresas prestadoras de serviços a exemplo da Liderança Serviços, da área de limpeza, que reúne o maior número de trabalhadores – 531 num total de 2.036 trabalhando na UFBa (dados de abril/2018), já começou a demitir. A empresa justifica as demissões, responsabilizando a UFBa, pela falta de repasse dos recursos. Essa é uma das perversidades da terceirização. Pois essas empresas são intermediadoras de mão-de-obra. “Vendem” força de trabalho e seu lucro vem todo daí. No caso da empresa Liderança, com sede em Santa Catarina, segundo informações no site: “Seus recursos humanos somam mais de 23.000 colaboradores muito bem treinados e constantemente reciclados. Hoje, graças à qualidade e empenho crescente de sua equipe, a Liderança atravessou fronteiras e está presente em mais de 15 estados brasileiros.” O que atesta que a empresa não “sobrevive” da prestação de serviços à UFBa.   

Embora os serviços de limpeza, portaria e vigilância sejam considerados secundários, acessórios ou periféricos (como atividades-meio), a experiência concreta nas universidades mostra que são indispensáveis para o seu funcionamento. Não há como manter o ensino, a pesquisa, a administração, os hospitais universitários, ou seja, o conjunto das atividades, sem limpeza, portaria ou vigilância, por exemplo. São atividades permanentes. E sem elas, a Universidade se inviabiliza.

E o Ministério de Educação sabe disso. E, de forma jocosa e desrespeitosa, o atual Ministro em reunião com reitores e membros da bancada parlamentar do Rio Grande do Norte, quando questionado sobre a falta de recursos para o pagamento do serviço de limpeza na Ufersa, UFRN e IFRN, sugeriu que “se chamasse o CA e o DCE”, que representa os alunos, para fazer os serviços. Sugestão que se justifica pela posição do Ministro de que as universidades públicas só fazem “balbúrdia”. 

A “balbúrdia” das universidades públicas brasileiras se expressa em que 95% da produção científica no país é feita nelas, segundo a Academia Brasileira de Ciências. E mais de 90% das pesquisas em todas as áreas do conhecimento são realizadas nessas universidades e não nas instituições privadas. A UFBA, especificamente, foi classificada entre as 200 melhores universidades jovens (criadas entre 1945 e 1967) do mundo, e é a quarta melhor do país nessa categoria, segundo o ranking da revista britânica Times Higher Education.

As ações do MEC e do atual governo estão comprometendo essa importância da Universidade pública para o desenvolvimento do país. Além dos cortes de bolsas de pesquisa e de pós-graduação, o bloqueio e contingenciamento de verbas de custeio e investimentos visam o estrangulamento das universidades federais.

Em pesquisa realizada em 2015 sediada no Centro de Estudos Pesquisas em Humanidades (CRH/UFBa), se revelou que o tempo de trabalho dos terceirizados na UFBA é longo. As empresas vão, mas eles ficam. É prática comum, a pedido da universidade, a permanência dos trabalhadores contratados pela nova empresa. Por isso, existem trabalhadores terceirizados com 10, 20 e até 30 anos de trabalho na UFBA, mas que passaram por até 11 empresas prestadoras de serviços. É como se fossem, de fato, do quadro permanente da Universidade, sem o ser, já que não são funcionários públicos. E são esses trabalhadores hoje que estão sendo demitidos. 

A vulnerabilidade permanente desses trabalhadores, sem representação sindical na UFBa, agrava-se sobremaneira com os cortes dos recursos pelo MEC. Iniciativas solidárias estão sendo tomadas em diversas unidades da UFBa, buscando dialogar com a Administração Central da Universidade, para que se encontre encaminhamentos para minorar o sofrimento desses trabalhadores. A situação é grave, pois a autonomia financeira da Universidade é quase nula, e conforme demonstrado pelas ações do governo, depende da liberação dos recursos que lhe foram destinados pelo orçamento da União. Se o quadro permanecer, o MEC e o atual governo, de forma irresponsável, estarão contribuindo para aumentar o alto índice de desemprego na região, assim como para inviabilizar o pleno funcionamento da Universidade. 

*Graça Druck – Professora titular da Faculdade de Filosofia e C. Humanas/UFBa. Pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisas em Humanidades (CRH/UFBa) e Bolsista produtividade do CNPq, estudiosa da terceirização no setor público e privado. Autora do livro Terceirização (des)fordizando a fábrica (Boitempo/Edfuba) e co-organizadora do livro: A Perda da Razão Social do Trabalho: Terceirização e Precarização (Boitempo). Colaboradora do NEC/Faculdade de Economia/UFBa.