Ao propor o Future-se, governo mostra que desconhece a realidade das universidades brasileiras

O perfil das universidades federais brasileiras se transformou. As instituições mudaram de cor, estão mais inclusivas, acessíveis, diversas, democráticas e plurais. No entanto, os progressos obtidos nos últimos anos, fruto das políticas de ações afirmativas e inclusivas, correm sério risco, diante das ameaças contidas no Future-se, projeto do governo federal que, na prática, abre brecha para a privatização do ensino superior público.

Lançado em 17 de julho pelo Ministério da Educação, o Future-se tem por objetivo criar um novo modelo de gestão das universidades e institutos federais públicos. O programa prevê que as OS (Organizações Sociais) participem do gerenciamento dos recursos das instituições, o que rompe a proteção constitucional que assegura a autonomia universitária.

Sob a falsa alegação de reestruturar o financiamento do ensino superior público, o projeto do governo amplia a participação de verbas privadas no orçamento universitário e entrega o patrimônio, o capital de conhecimento, além do acervo cultural ao setor privado, cedendo à cobiça do mercado, cujo objetivo é acumular capital. Ao contrário do projeto seminal das universidades públicas, que é a expansão do ensino.

Baixa renda

Ao tentar privatizar as instituições, o governo federal ignora o fato de que a maioria dos estudantes das universidades federais brasileiras, 70,2%, é de baixa renda, segundo pesquisa divulgada pela Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior)

Em 2003, o universo de estudantes de famílias com renda mensal de até 1,5 salário mínimo per capita, ou seja, R$ 1.431, no valor de 2018, era de 42,8%.

Ainda de acordo com a pesquisa, 60,4% dos alunos das instituições federais de ensino superior cursaram todo o ensino médio em escolas públicas. Já em 2003, o índice era 37,5%. 

Cara, cor e origem ou estrato social

A prova (de) que as universidades mudaram de cara, cor e origem ou estrato social é que o percentual de estudantes negros chegou a 51,2% do total. O número mais do que triplicou, se comparado a 2003.

Mesmo cenário entre os estudantes indígenas que vivem em aldeias. O número duplicou entre 2014 e 2018. Passou a representar 0,4% dos alunos das universidades federais. Os indígenas não aldeados são 0,5%.

Os dados positivos mostram que o programa Future-se coloca em risco todo o resultado obtido ao longo dos anos com o auxílio de iniciativas como a Lei de Cotas (12.711/12), o Estatuto da Juventude (12.852/13) e as políticas de ações afirmativas.

Impactos na Bahia

Na Bahia, a partir do governo Lula (2003-2010), muitas famílias tiveram a oportunidade de ver pela primeira vez um filho cursar uma graduação superior.

Entre 2003 e 2014, foram criadas 18 novas universidades federais e 173 campi universitários. O número de alunos quase que dobrou, aumentou de 505 mil para 932 mil. Trata-se, pois, de significativa mudança social, econômica e cultural do povo baiano. 

A partir das ações afirmativas, que ainda carecem de mais recursos, a UFBA (Universidade Federal da Bahia), desde a sua criação, em 1946, tem avançado no quesito inclusão.

Após 15 anos do início da política de acesso por cotas sociais e raciais, 3 em cada 4 estudantes são considerados negros (soma dos que se autodeclaram de cor preta, parda e indígena), percentual de 75,6%.

Outra informação reforça que as questões de raça e rendimento estão intimamente ligadas no Brasil. Na UFBA, 69,1% dos estudantes têm renda familiar média per capita de até 1 salário mínimo e meio.

Essa realidade é ainda mais impactante na UFRB (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia), primeira universidade federal no interior do estado, criada em 2005. Na instituição, 83,4% dos alunos são autodeclarados negros e 82% são oriundos de famílias com renda total de até 1 salário mínimo e meio.

UFRB (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia)

Fundada em 2013, a UFOB (Universidade Federal do Oeste da Bahia) tem 88,53% dos estudantes com renda familiar média per capita de até 1 salário mínimo e meio. Na instituição, 57,23% dos alunos são da raça/cor parda, 19,64% branca e 16,56% preta.

UFOB (Universidade Federal do Oeste da Bahia)

A UFSB, que existe desde 2013, oferece 10 tipos diferentes de ações afirmativas para ingresso de estudantes. Os alunos negros representam 83% do corpo discente. Na Universidade Federal do Sul da Bahia, 30% dos estudantes contam com algum tipo de apoio social.

UFSB (Universidade Federal do Sul da Bahia)

Apesar de ter sido criada em 2010, inicialmente com campi apenas no Ceará, a Unilab (Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira) só chegou à Bahia em 2013, com a criação do Campus dos Malês, em São Francisco do Conde.

Programa de Auxílio aos Estudantes

Na Unilab, 64% alunos matriculados em cursos de graduação recebem auxílios financeiros do Paes (Programa de Auxílio aos Estudantes), que atende estudantes com renda familiar per capita de até um salário mínimo e meio.

Unilab (Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira)

Portanto, os dados reforçam o que a ASSUFBA (Sindicato dos Trabalhadores Técnico-Administrativos em Educação das Universidades Públicas Federais no Estado da Bahia) tem denunciado há tempos: o governo Bolsonaro é inimigo da educação.

O coordenador geral do Sindicato, Renato Jorge Pinto, lembra que o Future-se fere a liberdade e a autonomia, além de comprometer o financiamento das instituições públicas. “É um governo que desconhece a realidade universitária e que minimiza a importância da educação, um direito humano. Deixar de financiar pesquisa e fomentar a qualidade da formação do aluno, por exemplo, afeta todo o sistema de ensino e o desenvolvimento do país”, o coordenador geral da ASSUFBA.