Cotistas da UnB provam mérito Imprimir

“A função das cotas raciais é deixar de existir assim que a discriminação reduzir ou acabar. O papel da sociedade é trabalhar para que isso aconteça o mais rápido possível”, afirma Natália Machado

Não fossem as cotas raciais, a Universidade de Brasília (UnB) teria 71,5% menos negros no quadro de estudantes na última década. Quem esteve no seminário “10 Anos de Cotas na UnB: memória e reflexão” considera o número representativo. Para eles, é a prova de que a política afirmativa da instituição deu certo e vem incluindo uma parcela discriminada e excluída do Ensino superior. Além disso, os bons resultados apresentados pelos cotistas põem abaixo alguns mitos levantados pelos críticos da ação. Entre eles, havia questionamentos sobre a queda do nível da universidade com o ingresso de estudantes por meio de cotas.

O tempo provou, no entanto, que o desempenho deles, comparado ao do sistema universal, não teve diferença significativa. Em 2009, chegou a ser superior. A média do índice de rendimento acadêmico (IRA) ficou em 3,1 para os cotistas, enquanto os demais estudantes alcançaram 2,9.

A partir deste mês, a instituição aprofunda o trabalho de avaliação dos resultados para decidir sobre a continuidade do sistema. Em 6 de junho de 2003, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) aprovou a reserva de vagas na UnB. O plano estipulou 10 anos para a duração da política. Como a primeira turma com Alunos cotistas ingressou no segundo semestre de 2004, o prazo vence no fim do primeiro semestre do próximo ano. Portanto, chegou a hora de a universidade pensar sobre a manutenção da reserva de vagas. Uma comissão nomeada pelo reitor deve começar a se reunir para estudar propostas sobre o tema. Possíveis mudanças vão vigorar a partir do segundo processo seletivo de 2014.

Por enquanto, a unanimidade é o avanço provocado pela experiência. “No interior da UnB, a mudança do perfil dos estudantes é notável, e a segregação racial, que sempre foi a marca das universidades brasileiras, diminuiu sensivelmente com o crescimento do número de estudantes negros e indígenas”, avaliou o Professor José Jorge de Carvalho, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa (INCTI). Ele propôs o primeiro plano de cotas adotado pela UnB e organizou o evento realizado ontem.

A antropóloga Natália Machado, 26 anos, fez parte da primeira turma de Alunos cotistas da universidade. Aluna de Escola pública em Taguatinga, ela não imaginava se tornar referência sobre o assunto. “No Ensino médio, não tinha perspectiva do que podia esperar de uma ação como essa”, diz. “A função das cotas raciais é deixar de existir assim que a discriminação reduzir ou acabar. O papel da sociedade é trabalhar para que isso aconteça o mais rápido possível”, reflete. Para ela, as pessoas ainda têm pouca noção do significado da política afirmativa.

Para combater mitos e visões distorcidos sobre o processo, o reitor da UnB, Ivan Camargo, defende avaliação detalhada e ampla dos 10 anos de política. “Precisamos nos embasar em dados, continuar discutindo para levar o assunto ao Cepe”, afirmou. Na opinião dele, a universidade precisa aproveitar a diversidade e formar lideranças para mudar as desigualdades do país. O reitor comemorou a trajetória percorrida pela UnB e a influência sobre outras instituições, por estar sediada na capital federal e por ter discutido o tema internamente.

O não preenchimento das vagas previstas pelo sistema foi uma preocupação levantada no seminário. No total, 6.632 estudantes ingressaram na UnB pelo sistema de cotas, o que significa 13,46% do quadro discente. O projeto prevê 20% das vagas para pretos, pardos e indígenas. O decano de Ensino de Graduação, Mauro Luiz Rabelo, responsável pela compilação dos dados apresentados, explica que não foi possível chegar à meta porque muitos Alunos, depois de aprovados, não se matriculam. “A pontuação mínima exigida também era uma barreira alta, e estamos corrigindo isso. Do contrário, a universidade abre as portas, mas não os deixa entrar”, afirma.

“Precisamos nos embasar em dados, continuar discutindo para levar o assunto ao Cepe” Ivan Camargo, reitor da UnB

Pioneira
A UnB foi a primeira universidade federal a implantar o sistema de cotas. A Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) aprovaram a sistema de cotas em 2002, mas por lei estadual. Depois da UnB, já em 2005, mais 16 instituições incluíram ações afirmativas e, em 2008, o número chegou a 84.

Indígenas incluídos
Chamado comumente de cotas para negros ou cotas raciais, o programa de reserva de vagas da Universidade de Brasília (UnB) inclui também os indígenas. No caso deles, o problema de preenchimento de vagas foi maior que entre os afrodescendentes. A meta, no início do plano, era formar 200 pessoas. Até o último processo seletivo, 202 indígenas entraram na universidade, mas apenas seis concluíram o curso. Diante das condições oferecidas pela própria instituição, os representantes desse grupo ainda consideram uma vitória o número de diplomados.

O presidente da Associação dos Acadêmicos Indígenas do Distrito Federal, Antônio Macedo Dias, define a data como “um grande momento para esse povo”. Hoje, existem 64 Alunos indígenas matriculados na UnB. “Temos a necessidade de buscar conhecimento para nos embasar e defender a nossa cultura”, disse. Para concretizar esse objetivo, eles precisam de mais apoio institucional.Este ano, o governo federal criou a bolsa permanência, um auxílio financeiro para minimizar desigualdades. “O choque cultural já é um dificultador e Brasília também é uma cidade difícil para quem vem de uma comunidade onde toda a família está por perto”, afirma.

No caso dos indígenas, existe a cobrança das comunidades em incluir os conhecimentos adquiridos por eles nas aldeias. O Professor de antropologia da Universidade Federal do Amazonas Gersem Baniwa foi convidado para comentar o assunto. Ele lembrou que as cotas não são o único caminho para a inclusão. Ele acredita na importância de fundir a visão acadêmica com o conhecimento branco e dominante com a cultura, a metodologia e a experiência dos índios.

  

Fonte: http://www.andifes.org.br