João Carlos Salles: Os desafios da UFBA diante da adversa conjuntura nacional

O Brasil vive em um difícil momento. O cenário é de retrocessos, ataques à democracia, à soberania nacional, aos trabalhadores e às universidades federais. Em entrevista exclusiva à ASSUFBA SINDICATO, o Reitor da UFBA, João Carlos Salles, escolhido através de consulta pública recente, ao lado do vice-reitor, Paulo Miguez, para ficar à frente da Universidade Federal da Bahia de 2018 a 2022, falou sobre os desafios da instituição diante da conjuntura e da implantação dos Turnos Contínuos.

ASSUFBA: A chapa Somos UFBA foi escolhida em consulta pública recente e obteve 11.369 votos para liderar a Universidade Federal da Bahia pelos próximos quatro anos. O Brasil passa por um momento complicado, de ataque à democracia, aos serviços públicos e às universidades federais. Quais são os principais desafios para esta gestão? E como a comunidade universitária pode ajudar neste esforço de superação?

João Carlos Salles: A nossa campanha já foi uma forma de preparação para esse embate que vamos enfrentar porque uniu diversas correntes preocupadas com a defesa da universidade. A votação foi expressiva, em especial entre os técnicos, exatamente porque a comunidade sentiu a necessidade de estar unida para enfrentar as ameaças à Universidade, as restrições orçamentárias, os retrocessos na pauta de direitos trabalhistas e sociais e nas conquistas dos trabalhadores. O começo da nossa resposta foi a própria campanha, marcada por mobilização intensa, e agora temos vários desafios, entre eles o de garantir que a Universidade não se precarize, não deixe de garantir Assistência Estudantil, não deixe de realizar com qualidade suas atividades finalísticas, nem de cumprir seu cronograma de obras de infraestrutura necessárias – ou seja, temos que nos preparar para esse cenário extremamente difícil que se avizinha.

ASSUFBA: De fato, estamos vivendo dias sombrios no Brasil. Sofremos um retrocesso com o golpe jurídico-político-midiático que avança sobre a sociedade. Como ficam as Universidades em um momento tão difícil e diante de uma conjuntura política de violências contra as Instituições da República? O artigo 207 da Constituição Federal trata da Autonomia Universitária. Como podemos fazer valer este artigo?

João Carlos Salles: O artigo 207 lembra uma verdade muito importante, relativa à essência da Universidade, que é uma instituição pública diferente de outras. Ela goza de Autonomia porque tem a capacidade de reflexão, de decisão. Autonomia significa que você age em função da determinação da sua vontade e não da vontade de outro, significa, assim, que a nossa responsabilidade é ainda maior. Quem age com maturidade, quem responde por seus atos, precisa prestar contas à comunidade interna e à sociedade sempre. Essa responsabilidade faz com que sejamos zelosos na nossa capacidade de determinar o que ensinamos, como o fazemos, como gerimos a divisão do nosso tempo entre ensino, pesquisa e extensão, como prestamos contas dos nossos recursos de maneira responsável, e em que os aplicamos. Tudo isso significa o exercício da Autonomia Universitária. A Universidade não é uma repartição pública como outra qualquer, é um lugar de reflexão, de crítica, de debate, que responde por seus atos e dialoga com a sociedade. Por exemplo, dialogamos com os movimentos sociais, com a sociedade inteira no momento em que estamos vivendo, em que a Universidade e a população precisam se defender dos retrocessos. Essa é a nossa missão e o nosso desafio.

ASSUFBA: Em relação aos cortes de recursos nas Universidades. Como será possível dar andamento às iniciativas com estas restrições orçamentárias?

João Carlos Salles: Nós estamos lutando exatamente para que os recursos sejam recompostos. Aliás, enfrentamos esse cenário de restrições em toda a nossa gestão. Entretanto, por exemplo, não deixamos de completar e entregar obras. Vamos iniciar agora o Ponto de Distribuição do Canela, bem como vamos concluir a obra da Escola de Dança e a da Faculdade de Arquitetura. Ou seja, não recuamos nesse processo, e ao cumpri-lo, ao realizarmos essas ações importantes, estamos mostrando que seria um grande prejuízo não só para a Universidade, mas para a sociedade inteira, se a UFBA não completasse seu arco de obras, se não garantisse seus contratos, se recuasse em medidas as mais diversas relativas à Pesquisa, à Assistência Estudantil, ao Ensino e à e Extensão de qualidade.

ASSUFBA: Os desafios da Reitoria da UFBA são muitos e as demandas dos Técnico-Administrativos em Educação, também. Embora haja avanços, a ASSUFBA e a categoria ainda sentem a necessidade de maiores investimentos em Capacitação e Qualificação. Há alguma iniciativa pensada neste sentido?

João Carlos Salles: Essa é uma das nossas linhas fundamentais de trabalho, tanto que já temos a terceira turma de mestrado profissional para os servidores técnicos. Isso revela como compreendemos a Qualificação, a importância do papel dos técnicos na construção e na defesa da Universidade. A qualificação é uma política permanente e vamos aprofundá-la, inclusive alocando mais verbas. Digamos que ela é o centro de uma cumplicidade fundamental que envolve toda a comunidade da UFBA: técnicos, docentes, a comunidade estudantil e os terceirizados, que fazem parte da nossa força de trabalho. Todos devemos estar juntos na ideia de que a qualidade precisa se espalhar em todos os sentidos. A qualidade da Universidade está em ela ser verdadeiramente inclusiva, em fazer pesquisas de qualidade, em ter um serviço em que as pessoas se sintam realizadas, entre outros elementos. Considero um privilégio alguém ser da UFBA, mas esse privilégio não pode ser baseado em sacrifícios, sofrimento e falta de condições dignas de trabalho. Temos que construir as melhores condições para realizar a nossa missão, que é estar a serviço da sociedade.

ASSUFBA: Temos constatado um alto índice de adoecimento entre os Técnico-Administrativos em Educação. Há alguma ação voltada para a saúde do trabalhador?

João Carlos Salles: Temos detectado adoecimento e sofrimento na Universidade inteira, e isso em todo país. Sofrimentos que se devem sobretudo a uma sociedade desigual. E isso afeta também a nossa estrutura interna, que precisa ser mais e mais acolhedora. Queria registrar os bons serviços que já são feitos pela Ouvidoria e pelo PSIU, programa voltado especialmente à saúde mental. Temos afinal que oferecer respostas, visando à saúde do trabalhador. Devemos destacar, em relação aos estudantes, a ação da PROAE, que faz um excelente trabalho de assistência. Tudo isso sinaliza a nossa atenção às boas condições de trabalho, ao não sofrimento e à não precarização, que devem pautar o convívio e se estender por toda a nossa comunidade.

ASSUFBA: O debate sobre os Turnos Contínuos voltou à tona com muita força. O senhor reafirma o compromisso de implantação dos Turnos Contínuos na Universidade?

João Carlos Salles: A Universidade não recuou um milímetro na decisão tomada em dezembro de 2013 de implantação dos Turnos Contínuos. Esse é o ponto fundamental. Naquele momento, sabíamos que tínhamos de proceder com a regulamentação e avaliar a situação de cada unidade. Constituímos Comissões de Ajuste de Jornada locais e uma Comissão de Ajuste de Jornada Central para que pudessem dar conta da efetiva implantação, mas, por várias razões, esse processo não se concretizou. A nossa meta é muito clara: vamos implantar da maneira mais radical possível, visando ao interesse dos trabalhadores, que só pode ser o interesse da Universidade. O interesse dos trabalhadores é trabalhar bem, servir bem, realizar com qualidade as suas atividades e exatamente nesse sentido veio e foi aprovada a Resolução dos Turnos Contínuos. E nós a estamos honrando agora, ao estabelecermos um prazo para que um cronograma seja definido por todas as unidades e depois pela CAJ Central, de tal sorte que implantemos, da melhor forma possível, do modo mais correto, os Turnos Contínuos.