Julho das Pretas: Mulheres negras serão ainda mais penalizadas com a reforma da Previdência

Nesta quinta-feira, 25 de julho, são celebrados o Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-Americana, Caribenha e o Dia Nacional de Tereza de Benguela. Para celebrar as datas, a campanha Julho das Pretas realiza uma série de atividades. Uma delas foi o debate Impactos da Reforma da Previdência na Vida as Mulheres Negras, realizado na manhã desta quarta-feira (24/07), no auditório da ASSUFBA. 

Idealizado pelas Secretarias da Mulher, Políticas Sociais e Antrracistas da CTB Bahia, o evento fez interessantes provocações ao público presente sobre o lugar desigual que até hoje a mulher, sobretudo a negra, ocupa na sociedade brasileira. Uma das expositoras foi a presidente nacional da UNEGRO (União de Negros Pela Igualdade), Ângela Guimarães. Ela falou sobre as raízes históricas que estruturam a discriminação de gênero ainda existente. 

Ângela Guimarães afirmou que 82% da população de Salvador, cidade mais negra fora da África, se autodeclara afrodescendente. “Não estamos falando de minoria. Estamos tratando da parcela que mais sofre com o modelo capitalista de desenvolvimento, ancorado no machismo e no racismo”. Para ela, “o capitalismo nos dividiu: o homem da mulher; o negro do branco”. 

A presidente da UNEGRO, que também é socióloga, explicou que o conceito de trabalho, desde a abolição da escravatura, sempre significou superexploração da mão de obra, perseguição e terror. “Essa estrutura alterou pouco de lá para cá. As forças que dirigiram o Brasil, com exceção dos governos Lula e Dilma, não investiram em políticas para a população negra”. Para exemplificar, citou que somente nestes dois períodos é que muitos jovens negros e negras tiveram o primeiro emprego de carteira assinada”. 

Segundo Ângela Guimarães, a reforma da Previdência vai aprofundar ainda mais as desigualdades. “A medida é nefasta para quem tem carteira assinada. Mas, é uma sentença de morte para quem está na informalidade”. A necessidade de reação é o caminho para impedir a aprovação do Congresso Nacional. “Vale a pena lutar. Vamos cair para dentro dos senadores. É unidade e luta. O que eles querem é a gente calada, assistindo a destruição do nosso futuro”, exclamou. 

A supervisora técnica do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), Ana Georgina Dias, alertou que a reforma da Previdência atinge de forma ainda mais severa as mulheres negras porque a maioria delas está na informalidade. Também mostrou diversos dados que corroboram com a afirmação. Ela explicou que o envolvimento delas na força de trabalho ainda é pequeno. Enquanto o índice entre os homens é de 71,5%, no caso das mulheres é de apenas 52,7%. 

Para Ana Georgina Dias, um fator que interfere de forma decisiva para o déficit de mulheres no mercado formal é a necessidade de conciliação entre trabalho, estudos e afazeres domésticos. Diante disso, muitas deixam de trabalhar. 

As mulheres estão mais desprotegidas socialmente e possuem dificuldade na contribuição previdenciária. Do total de ocupadas em 2018, quase metade (47%) não possuía registro em carteira assinada. Mais de um terço (35,5%) declararam não estar contribuindo para a Previdência. Este número é 62% entre as trabalhadoras domésticas e 68% entre as que trabalham “por conta própria”.

“A PEC interrompe avanços em direção à cidadania das mulheres. As trabalhadores estão à margem da proteção social. A reforma da Previdência, portanto, acentua as diferenças, as desigualdades de gênero”, pontuou Ana Georgina Dias.

As disparidades são incontestáveis. E os dados confirmam. Para se ter ideia, a remuneração dos homens é quase 30% maior do que a das mulheres. Se for feito um recorte racial, fica ainda mais grave. Enquanto uma mulher branca recebe, em média, R$ 2.371,00 por mês, a negra ganha R$ 1.391,00. Discrepância. 

Eliete da Silva, Coordenadora de Políticas Sociais e Anti-Racistas da ASSUFBA, lembrou que os ataques se dão porque as forças conservadoras resistem ao progresso de determinadas camadas da população. “Quando estávamos subindo o degrau da inclusão, veio o retrocesso. Por isso, temos de continuar na resistência e mostrar que a luta é necessária”.

A secretária da Mulher Trabalhadora da CTB Bahia, Marilene Betros, destacou que a reforma da Previdência afeta todos os brasileiros, mas que prejudica ainda mais as mulheres negras, que sofrem sem proteção trabalhista, com a desigualdade salarial e o desemprego. 

Para a Coordenadora de Políticas Sociais e Anti-Racistas do Sindicato, Lucimara da Cruz,  é preciso reconhecer que as desigualdades geram privilegiados. Por isso, o Julho das Pretas é um mês dedicado à reflexões que culminem em construção de ações para mudar a realidade e a correlação de forças. 

Lucimara encerrou o evento recitando o   poema de Conceição Evaristo “A noite não adormece nos olhos das mulheres”.