Marcos Verlaine: Agenda sindical no Congresso Nacional é urgente

Para Marcos Verlaine, jornalista, analista político e assessor parlamentar do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), o movimento sindical precisa ser mais forte no Congresso Nacional, por intermédio de uma agenda que contemple aumento real do salário mínimo, desenvolvimento industrial, política econômica com recuperação do emprego e da renda e políticas para servidores públicos e setor produtivo. Neste contexto, Verlaine destaca a importância da imprensa sindical que, segundo ele, terá melhores resultados quando a maioria da população e a classe trabalhadora obtiveram hábito de leitura e houver no País a democratização dos meios de comunicação.

Por Carolina Maria Ruy e Val Gomes

Rádio Peão Brasil – A reforma da Previdência dominou a agenda política no Congresso Nacional no 1º semestre. O que temos para este 2º semestre e onde entra o movimento sindical entra neste processo?

Marcos Verlaine – Para o 2º semestre temos a reforma da Previdência no Senado, a reforma tributária na Câmara e um conjunto de proposições que serão debatidas nas duas casas legislativas e que afrontam os trabalhadores. O movimento sindical ainda não entrou no jogo integralmente. As lideranças vão ao Congresso resolver problemas pontuais, mas a agenda contra os trabalhadores é diária. É preciso profissionalizar o acompanhamento, do contrário será surpreendido diuturnamente. Veja o exemplo da MP 881. A medida tinha um propósito, que foi bastante ampliado, inclusive, entrando na seara trabalhista, com mais retirada de direitos.

Rádio Peão Brasil – Quais seriam as proposições que afrontam os trabalhadores?

Marcos Verlaine – A reforma da Previdência, que dificultará o acesso aos benefícios previdenciários e à aposentadoria propriamente dita, é um exemplo. Além disto, estão em discussão na Câmara e no Senado projetos que acabam com a estabilidade do servidor concursado e a própria “MP da liberdade econômica”, que foi bastante ampliada, entrando na seara das relações de trabalho e retirando direitos como, entre outros, o descanso remunerado aos domingos.

Rádio Peão Brasil  – As articulações de partidos de centro e de esquerda e com o movimento sindical, sobre a reforma da Previdência, que foi modificada no Congresso, e sobre a MP 873 não são bons exemplos de enfrentamento às pautas deste governo?

Marcos Verlaine – Sim. Por isto, é necessária a presença permanente das entidades que representam os trabalhadores no debate congressual, pois este debate também é permanente e deste derivam muitas decisões relevantes para o País e a classe trabalhadora.

Rádio Peão Brasil – Você defende, portanto, uma agenda sindical atuante no Congresso Nacional. O que seria esta agenda e como o movimento sindical, com as dificuldades criadas pela reforma trabalhista, pode viabilizá-la?

Marcos Verlaine – O movimento sindical precisa formular uma agenda para apresentar ao Congresso e dialogar com a sociedade. Não dá para ficar correndo atrás do prejuízo o tempo todo. Como analogia, o movimento sindical parece um pugilista no ringue que se defende o tempo todo e acha que é o suficiente. Não é! Vai perder por pontos, por óbvio. Esta agenda precisa ser ampla, abrangente e enxuta. Igual à que foi apresentada em 2010, a “Agenda Trabalhista”. Nesta nova agenda é preciso constar o aumento real do salário mínimo, uma política de desenvolvimento industrial, uma política econômica que recupere o emprego e a renda, uma política para o servidor público, nas três esferas de governo e entes federados, e uma política que contemple o setor produtivo, ante a política do sistema financeiro.

Rádio Peão Brasil – Você não acha esta pauta muito ampla e que está implicitamente dentro das ações sindicais? A Agenda da Classe Trabalhadora, atualizada e republicada em 2018, contempla esta pauta. Dizemos isto por considerarmos arriscado o movimento defender, neste momento de crise política e econômica, uma pauta tão genérica. Por três motivos essenciais: a dispersão da pauta causada por sua generalidade; a necessidade de focar em questões pontuais que envolvem até mesmo a sobrevivência do movimento sindical; e o discurso do presidente Bolsonaro, infelizmente vitorioso, que afirma que aumentar direitos acarretará em diminuir empregos. O que você pensa sobre isto?

Marcos Verlaine – É necessária sim uma agenda. Não é genérica. É ampla. Cabe ao movimento sindical destrinchá-la e torná-la acessível do ponto de vista da compreensão da maioria. Esta agenda não é apenas para dialogar com o governo e o Congresso. É, também, para dialogar com a classe trabalhadora e o povo de um modo geral, pois contemplaria amplos setores da sociedade. É preciso cobrar do governo e oferecer o ponto de vista dos representantes dos trabalhadores, de proposta ou políticas públicas que minorem/diminuam o desemprego, que corrói o tecido social. Ao mesmo tempo, é preciso cobrar do governo e apresentar nosso ponto de vista claro e objetivo de políticas públicas que aumentem a renda das famílias.

Rádio Peão Brasil – Existe, por parte de alguns sindicalistas, a avaliação que após a reforma da Previdência poderá entrar em pauta a questão da estrutura sindical, que significa repensar se a representação se dará por base em cada categoria, a representação por empresa etc. A estrutura atual, que prevê que todos os trabalhadores se beneficiam dos acordos coletivos, mesmo os não sindicalizados, se tornou incompatível com o financiamento do movimento. Esta não pode ser uma boa oportunidade de forçar o movimento a se repensar?

Marcos Verlaine – Com certeza. O movimento sindical precisa se repensar e resignificar-se para atender as novas demandas. Mas há demandas antigas que precisam ser resgatadas e colocadas em prática, como a formação política dos dirigentes, a fim de melhorar a visão de mundo que defendemos, mais solidário, mais coletivo, menos individualista. Pois as soluções dos grandes dilemas do País passa pela luta política, com participação dos trabalhadores organizados em sindicatos. Do contrário, seremos forçados a administrar a disputa dos que nada têm com os que têm muito pouco. Traduzindo, a luta de classes ao inverso, isto é, a luta dos miseráveis com os pobres.

Rádio Peão Brasil – Em “Informar não é comunicar”, o sociólogo francês Dominique Wolton diz que os “receptores, ou seja, os indivíduos e povos, resistem às informações que os incomodam e querem mostrar os seus modos de ver o mundo. A incomunicação torna-se o horizonte da comunicação obrigando a negociações constantes para que se possa conviver”. Como você avalia esta questão no cenário político brasileiro e na sociedade brasileira hoje violentamente polarizada?

Marcos Verlaine – Estamos em um grau de polarização política que inviabiliza o debate saudável. Isto não começou agora, com a eleição de Bolsonaro. Na verdade, Bolsonaro é resultado deste envenenamento da sociedade brasileira. Será preciso desinterditar o debate político, ter paciência e capacidade de formulação política. Será preciso propor pactos, pois neste ambiente de confrontos vai prevalecer a lógica do presidente eleito. Bolsonaro privilegia o confronto, em detrimento do entendimento. Será preciso escapar desta lógica insana que consome o País para construir outra agenda política, econômica e social.

Rádio Peão Brasil – A comunicação sindical costuma fazer um contraponto à comunicação empresarial e à mídia tradicional. Diante das dificuldades criadas principalmente pela reforma trabalhista, ainda em andamento no País, como as entidades sindicais poderiam tornar a imprensa sindical mais eficiente e ampliar o alcance das ações sindicais na sociedade?

Marcos Verlaine – Ainda nos comunicamos muito mal com a base. Falamos uma linguagem que o trabalhador não compreende. Precisamos aprender a fazer esta conexão. De um modo geral, estamos desconectados. E, agora, está pior, pois o movimento sindical perdeu recursos. Com esta perda de recursos vem na sua esteira a perda de profissionais da área de comunicação. Estamos desfalcados e, em certa medida, estamos desarmados para fazer este enfrentamento. Nossos veículos não alcançam adequadamente todos os trabalhadores, que pautam, quando pautam, suas posições políticas pela grande mídia, em particular as TVs. E mais, em particular, a TV Globo. Precisamos aprender a comunicar com trabalhador. Este é um problema que o movimento sindical e a esquerda não resolveram. Tudo isto tem a ver com o fato de o brasileiro, o povão, não ter hábito de leitura. Algo que lhe foi negado secularmente. Será preciso perseguir este problema, com vistas a alcançar uma solução adequada. É preciso democratizar os meios de comunicação, concentrados em meia dúzia de famílias. É preciso acabar com o monopólio da comunicação no País.

Rádio Peão Brasil – Há muita crítica em nosso meio, no campo progressista, sobre a ineficiência da comunicação. Dizem os críticos que precisamos adotar uma linguagem mais popular e abordar assuntos mais concretos. Consideramos, entretanto, que não foi uma comunicação simples e com base em assuntos concretos que viabilizou a eleição de Bolsonaro, já que ele é confuso e aborda mais assuntos morais e ideológicos do que problemas do dia a dia do povo. O que você pensa sobre esta questão? O didatismo nos salvará?

Marcos Verlaine – Com certeza ser didático, sem ser professoral, e, claro, em relação ao que defendemos, ajuda muito. O discurso de Bolsonaro na campanha foi claro e límpido. Foi um discurso que capturou medos, desejos e anseios. Medo do desconhecido e do indesejado. Desejo de uma sociedade mais segura, com menos violência, ainda que a fórmula apresentada possa produzir mais violência: refiro-me ao armamento do povo. E anseio de ter os problemas resolvidos com mais agilidade e rapidez. Era e é apenas retórica de campanha, mas teve efeito devastador. Ao mesmo tempo que demonizava os adversários como os responsáveis pelas mazelas que afligiam ou afligem a sociedade.

Rádio Peão Brasil – O Diap foi também atingido pela reforma trabalhista. Como a entidade tem enfrentado este momento?

Marcos Verlaine – O Diap foi atingindo frontalmente pela reforma trabalhista, pois os recursos da entidade vêm das mensalidades pagas pelas entidades. Houve perda da ordem de 85% na arrecadação. O Diap “respira por aparelhos”. Estamos sobrevivendo! O movimento sindical pode ajudar se filiando para manter o Diap e sua estrutura, que é bastante enxuta e ágil. Temos um portal, o www.diap.org.br, que é abastecido com informações do mundo da política relacionado aos trabalhadores, suas demandas e interesses. Neste 1º semestre, procuramos acompanhar e informar em tempo ágil e adequado a tramitação da reforma da Previdência e suas implicações para os trabalhadores. Conseguimos este objetivo. As análises serviram para mostrar às entidades e seus dirigentes, as implicações e consequências da reforma, tal como foi formulada e também agora, que foi aprovada em 1º turno. As informações têm dois objetivos: dialogar com os atores no Congresso e dialogar com a sociedade, a fim de mostrar-lhe onde, como e o que a reforma afeta.

Rádio Peão Brasil – Qual a rotina dos membros do Diap no Congresso Nacional? Há acompanhamento presencial nas sessões, audiências e votações?

Marcos Verlaine – A rotina é baseada principalmente na agenda do Congresso Nacional. O acompanhamento é presencial e virtual, nas sessões dos plenários da Câmara e do Senado e, sobretudo, nas comissões, onde os debates em torno das proposições são aprofundados. Procuramos acompanhar as matérias de interesse do movimento sindical e informar o mais rápido possível para que as entidades possam atuar. Para que possam procurar os parlamentares e apresentar seus pleitos e demandas, a fim de proteger os interesses da classe trabalhadora, seja em torno de proposições pontuais, seja em torno das que afetam a todos, como por exemplo, a reforma da Previdência.