Debate acirrado no Senado expõe impactos e perversidades da terceirização

As divergências entre representantes dos trabalhadores e entidades patronais acirrou o debate sobre o Projeto de Lei (PLC) 30/2015, que regulamenta e amplia de forma irrestrita a terceirização no País, realizado nesta terça-feira (19), no Plenário do Senado. A sessão temática ouviu diversos setores da sociedade, incluindo pesquisadores, economistas, Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho e Emprego e parlamentares. O projeto é uma grave ameaça aos direitos garantidos pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e às conquistas históricas dos trabalhadores brasileiros.

A CTB foi representada pelo secretário de Serviço Público, João Paulo Ribeiro, que considerou extremamente necessária a discussão de temas tão importantes como a terceirização. “Sempre me senti um terceirizado aqui, pois nunca havia espaço para falar”, disse, elogiando a iniciativa da Casa em ampliar o debate. “O que foi feito na Câmara foi um abuso, um atropelo. Isso tem que ser repudiado”, adianta.

O dirigente também criticou a saída dos empresariados do plenário antes do término dos pronunciamentos. “A partir do momento que os empresários saem, temos que falar para a sociedade. No dia 29 de maio temos que demonstrar nas ruas do que somos capazes”, informa sobre a paralisação prevista em todo o país, organizada pelas centrais sindicais. Segundo ele, a mobilização mostrará para a sociedade o que está sendo repudiado: “a terceirização sempre foi usada para ampliar o lucro da empresa. Essa é a verdade”, enfatiza.

João Paulo Ribeiro ressaltou que se os empresários quiserem fazer a coisa certa, então, eles devem formalizar seus trabalhadores. “Contratem decentemente, paguem todos os encargos. Vocês (empresários) podem fazer isso”, acentua. “A CTB faz um apelo: faça o que a CLT está pedindo e gerem emprego. Não é possível que a sociedade veja de forma imóvel a Constituição ser rasgada. Se o Senado não rejeitar o projeto, estamos preparados para construir uma greve geral no país”, garantiu.
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), afirmou que o debate colocaria em lados opostos interesses econômicos. “Nossa economia carece de competitividade e muitos vêem que este tema é importante. Por outro lado, a herança da escravidão nos faz receosos sobre as medidas que afetam os direitos dos trabalhadores”, analisou. Apesar da polêmica, Calheiros acredita que é necessário regulamentar a situação dos trabalhadores terceirizados existentes, mas não da atividade-fim nem de forma ampla e irrestrita.

Inconstitucionalidade da proposta

Na sequência dos discursos, o procurador do Ministério Público do Trabalho Helder Amorim, afirmou que a posição do MPT é firme a respeito da proposta do PLC 30/2015: a terceirização da atividade-fim é inconstitucional. Segundo ele, a Constituição Federal de 1988 foi a primeira a tratar dos direitos dos trabalhadores como forma de proteção social, fundados nos princípios da evolutividade. Amorim falou dos aspectos temporal e espacial de proteção, estabelecendo os direitos relacionados a cada dimensão. “Nós que defendemos os direitos dos trabalhadores temos 20 anos de experiência no acompanhamento da terceirização. Podemos afirmar que a lógica da terceirização é uma lógica perversa. É contratar a mesma atividade com menor preço”, afirma.

Impactos da terceirização

Uma apresentação bastante técnica e rica em dados foi feita pelo economista Márcio Pochmann, que reuniu dados de um projeto de pesquisa feito por mais de três décadas. Pochmann apresentou uma visão de como funciona o mercado de trabalho, os impactos da terceirização ocorrida até agora e as considerações de ordem geral. “Estamos falando de 98 milhões de brasileiros que têm no seu trabalho a condição de alcançar a vida digna”, diz.

Segundo o pesquisador, existem dois tipos de mercado: o externo, sem segurança, submetido a empregos simples, com alta rotatividade e dificuldade de acesso aos sindicatos; e o interno, com plano de cargos e salários, progressão ao longo do tempo, menos rotatividade, com a presença da negociação coletiva. Esse é o cenário do mercado de trabalho que, para ele, tenderá a permanecer caso a terceirização seja regulamentada. “A desigualdade tende a seguir ainda mais por este caminho”, realça. Para o ministro do Trabalho e Emprego (MTE), Manoel Dias, o projeto atual pouco tem do projeto que começou a tramitar há dez anos. Dias relatou as várias reuniões de negociação sobre o tema, onde três pontos não foram consensuados: corresponsabilidade, atividade-fim e sindicalização. Para ele, o MTE segue a linha de que na medida em que não houver construção de garantias, a generalização da terceirização pode precarizar o trabalho.

Centrais sindicais

Para o presidente da UGT, Ricardo Patah, as reformas precisam ser feitas, porém não “nas costas dos trabalhadores, que são a parte mais vulnerável do país”. Patah acredita que é preciso uma lei que regularize a situação dos atuais terceirizados, mas desde que esta lei não permita a tercerização ilimitada e irrestrita de outros segmentos econômicos. “Estamos tirando recursos das pessoas que sustentam o país. Foi graças aos trabalhadores que superamos a crise. E agora vamos terceirizar tudo? Não podemos permitir a quarteirização, a pejotização. Está na hora de iniciarmos um projeto de distribuição de renda, mas não podemos eliminar os direitos dos trabalhadores”, frisa.

Maria das Graças Costa, secretária de Relações de Trabalho da CUT, falou da divergência de discursos e que é preciso que os parlamentares compreendam essas divergências e construam o que for melhor para o país. “Entendemos o atual momento brasileiro de criação de empregos, da formulação de políticas sociais, em que tentamos resolver as mazelas históricas da população, mas não cabe nesse momento uma lei que venha precarizar de forma absoluta todo o mercado de trabalho”, enfatizou. “De cada dez pessoas que adoecem, oito são terceirizados. De cada cinco que morrem, quatro são terceirizados. Sem falar dos mutilados, que são milhares nesse processo”, ressalta.

O presidente da CGTB, Ubiraci Dantas, afirmou que achar que os terceirizados estão com direitos em dia é partir de um pressuposto errado. “Os terceirizados têm uma série de direitos tolhidos. São tratados como trabalhadores de segunda categoria. Estão sem direitos”, frisou. Para ele, não se pode partir do princípio que a terceirização é um bem. “Pelo contrário, ela é um mal”, avaliou. “Não podemos aceitar que os 12 milhões de terceirizados levem a terceirização para 40 milhões. Não podemos generalizar a terceirização porque isso vai ser a lei da selva”, informa.

Já o secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, informou que a terceirização hoje não está só na vigilância, na alimentação, na segurança; ela está na atividade-fim. Para ele, o projeto aprovado na Câmara avançou em várias questões, dentre eles sobre o direito que os terceirizados passarão a ter ao serem representados pelo mesmo sindicato dos trabalhadores diretos. “A Força defende que os terceirizados terão direito à mesma Convenção Coletiva dos não terceirizados. Isso já dá uma cobertura”, finaliza.

Ao final das apresentações, foi aberto espaço para manifestação de parlamentares e de representantes sindicais, um importante momento de democracia no Senado Federal, já que o projeto não foi debatido abertamente na Câmara dos Deputados.

Fonte: CTB