Parabéns Salvador pelos seus 476 anos

Por que Salvador, essa cidade de beleza e resistência, se tornou um espaço negado para aqueles que a constroem com suas mãos calejadas? Como pode o povo, que faz pulsar essa terra com o seu suor, a sua cultura e a sua força, ser empurrado para a margem, enquanto o lucro ocupa o centro? 

A cidade vai além do que um amontoado de prédios, ruas e praças. Ela é um organismo vivo, um espaço de encontros, de construção coletiva, de sonhos e esperanças. Mas em Salvador, como em tantas outras partes do Brasil, a cidade foi sequestrada por aqueles que a tratam como mercadoria, que a transformam em produto para ser vendido ao capital, enquanto os trabalhadores, os filhos e filhas desta terra, veem a sua própria história ser apagada em nome do progresso que nunca os inclui. 

Salvador nasceu do sangue dos povos indígenas, do sofrimento imposto aos negros escravizados, da luta dos trabalhadores que fizeram desta terra um lugar habitável e fértil. Mas quem são hoje os donos desta cidade? São os banqueiros, os empresários do turismo, os especuladores imobiliários, aqueles que transformam tudo em cifrões, sem se importar com quem pisa este chão. 

Eles vendem Salvador aos ricos, aos turistas, aos grandes grupos econômicos, enquanto a população trabalhadora é empurrada para os bairros periféricos, para os becos onde falta transporte, segurança, saneamento, escola de qualidade. Querem que o povo viva na cidade apenas como serviçal, como peça descartável do grande mecanismo de exploração. 

A orla da cidade, antes espaço de encontro do povo, agora é cenário de grandes empreendimentos. As áreas verdes desaparecem sob o concreto e o asfalto. E o que ganha o trabalhador? Um ônibus caro e lotado, um salário que não paga o aluguel, uma cidade onde tudo se torna privado, menos a dor de ser pobre. 

O transporte público de Salvador é a metáfora perfeita da exclusão. O metrô, limitado em seu alcance, nunca chega aonde o povo mais precisa. Os ônibus sucateados, com tarifas absurdas, fazem o trabalhador perder horas no deslocamento. Enquanto isso, a cidade é remodelada para os carros dos ricos, com viadutos e avenidas que ignoram os pedestres, os ciclistas, aqueles que se movem não pelo luxo, mas pela necessidade. 

O trabalhador, esse sujeito invisibilizado pelo modelo urbano excludente, é forçado a viver longe do seu local de trabalho, distante das praias, das praças, das áreas nobres que, na lógica do capital, não são feitas para ele. Esta cidade nega ao povo o direito básico de circulação. 

E o que acontece quando um sistema se constrói sobre a exclusão? Ele precisa da violência para se manter. Em Salvador, essa violência se expressa na brutalidade policial contra a juventude negra das periferias, nos despejos forçados de quem tenta construir a sua moradia, na militarização de bairros pobres enquanto os condomínios de luxo são protegidos pelo Estado. 

A cidade é dividida entre aqueles que podem andar sem medo e aqueles que vivem sob a mira da repressão. E a quem serve essa violência? Aos mesmos de sempre: aos que lucram com a desigualdade, aos que transformam a miséria do povo em oportunidade de negócio, aos que exploram a fome e a dor enquanto discursam sobre progresso e desenvolvimento. 

Mas não é feita apenas de opressores. A história é também feita por aqueles que resistem, por aqueles que não aceitam viver de joelhos, por aqueles que sabem que Salvador não pode ser apenas um mercado de luxo, uma vitrine para os ricos. 

 

Por outro lado

Se há uma cidade que pulsa cultura em cada esquina, essa cidade é Salvador. Do batuque do candomblé ao samba de roda, das festas populares às manifestações políticas.

A cultura de Salvador não vem dos palácios nem das elites, ela nasce no subúrbio, no Pelourinho, nas feiras, nos terreiros, nas praças, nos becos. É a cidade onde a cultura negra se impôs mesmo diante da escravidão e do racismo, onde o axé se tornou um grito de identidade, onde o rap, o samba e o reggae gritam o cotidiano de quem sobrevive na cidade.

Cada festa popular em Salvador é um ato de resistência. O Carnaval foi tomado pelo povo e se tornou uma das maiores manifestações culturais do mundo. A Lavagem do Bonfim, que mistura fé católica e religiosidade de matriz africana, é o retrato da identidade mestiça da cidade.

Mas essa cultura, tão rica e diversa, enfrenta o mesmo problema que a cidade, a mercantilização. A música baiana foi apropriada por grandes empresas, o carnaval virou um produto de camarotes para poucos, e os espaços culturais são fechados ou vendidos para dar lugar a empreendimentos que nada dizem sobre a história do povo. 

 

Carlos Marighella: o guerrilheiro que desafiou a ditadura

Se há um nome que simboliza a resistência comunista no Brasil, esse nome é Carlos Marighella. Nascido em Salvador, em 5 de dezembro de 1911, Marighella foi poeta, militante, deputado e, acima de tudo, revolucionário. Lutou contra a ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas, combateu o imperialismo e se tornou o maior símbolo da luta armada contra a ditadura militar de 1964. 

Mãe Stella de Oxóssi: a voz do candomblé 

Mãe Stella foi uma das grandes ialorixás do Brasil, líder do Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá. Intelectual e escritora, ela lutou contra o racismo religioso e defendeu o respeito às tradições afro-brasileiras. Sua existência foi um testemunho da força do povo de santo, que resiste ao preconceito e mantém viva a espiritualidade africana em Salvador. 

Gilberto Gil: o som da rebeldia

Cantor, compositor, ex-ministro da cultura, Gilberto Gil é um dos maiores nomes da música brasileira e um símbolo da arte engajada. O seu trabalho une a tradição da música baiana à luta política, sendo um dos principais expoentes da Tropicália, um movimento que desafiou a ditadura militar e expandiu as fronteiras da música nacional.