Benefícios fiscais superam gastos com Saúde e Educação
Os gastos do governo federal, dos estados e dos municípios caíram em 2017 pelo terceiro ano seguido, revelou o IBGE no início de março, ao divulgar os resultados do PIB. Apenas no ano passado, a redução foi de 0,6%.
Se depender da navalha operada pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, a tendência de supressão dos investimentos públicos deve se manter. Um mês após Michel Temer sancionar o Orçamento-Geral da União de 2018, o governo anunciou um corte de 16,2 bilhões reais para cumprir a meta de déficit primário de 159 bilhões para este ano.
Em nome da austeridade fiscal e do teto de gastos públicos, bode colocado na sala pela própria equipe de Temer, o reajuste do salário mínimo ficou em mísero 1,81%, abaixo da inflação e a menor variação em 24 anos. Desde 2016, os benefícios do Bolsa Família, voltado para o combate da extrema pobreza, estão congelados.
Em meio à onda de bloqueios de verbas, as universidades federais renegociam contratos com prestadores de serviços e reduzem até o cardápio dos restaurantes universitários. Pressionado pela demanda crescente, o Sistema Único de Saúde também se vê ameaçado pelo subfinanciamento.
Apesar do sacrifício imposto à população, o Brasil deverá abrir mão de mais de 283,4 bilhões de reais em renúncias fiscais em 2018. Estimado pela Receita Federal, o valor é superior à soma dos orçamentos da Educação e da Saúde: 107,5 bilhões e 131,4 bilhões, respectivamente. Nos últimos anos, os incentivos e benefícios fiscais tiveram forte expansão.
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Em 2006, os gastos tributários, nomenclatura usada pelo Fisco ao se referir ao valor que a União deixa de recolher com as desonerações, somavam 77,6 bilhões de reais em valores absolutos, o equivalente a 15,3% das receitas, ou 3,33% do PIB. Em 2014, eles totalizavam 257,2 bilhões de reais, 22,38% da arrecadação e 4,45% de todas as riquezas produzidas naquele ano.
“As renúncias costumam ser concedidas em nome de nobres propósitos, como a proteção do emprego, mas não faz sentido o País abrir mão de um volume tão grande de recursos quando falta dinheiro para cobrir despesas em áreas essenciais”, critica Vanderley José Maçaneiro, vice-presidente de Assuntos Fiscais da Anfip, a associação nacional dos auditores da Receita. “Pior: ninguém sabe qual é o retorno, não há estudos para avaliar os resultados e a efetividade dos gastos tributários.”
A maior fatia das desonerações vai para o Simples Nacional, regime simplificado de tributação para micro e pequenas empresas. As perdas são de 80,6 bilhões de reais, 28% do total. As deduções e isenções do Imposto de Renda da Pessoa Física totalizam 27 bilhões. Para a Zona Franca de Manaus e para a Agricultura, os benefícios são superiores a 24 bilhões. As renúncias de entidades sem fins lucrativos somam 23,6 bilhões.
Muitas vezes, o problema reside na delimitação imprecisa de quem tem direito à desoneração, alerta o economista Fernando Gaiger, pesquisador do Ipea. O Simples Nacional, por exemplo, beneficia empresas com faturamento anual de até 4,8 milhões de reais. “É um limite altíssimo, a garantir privilégios a quem não precisa.”
No caso do Imposto de Renda, emenda o especialista, os empresários estão isentos da tributação sobre os lucros e dividendos. Dos países da OCDE, somente a Estônia oferece tal benesse. No terceiro setor, a elasticidade é enorme. “Até mesmo casas de repouso para idosos, que cobram mensalidades caríssimas, se passam por entidades filantrópicas”, diz Gaiger. “Esse conjunto mal formatado de renúncias reforça o caráter regressivo do sistema tributário no Brasil.”
A política de desonerações acentuou-se a partir da crise de 2008. Para proteger o País dos humores do mercado internacional, o governo Lula reduziu o Imposto sobre Produtos Industrializados na tentativa de estimular o consumo de eletrodomésticos e automóveis.
Deu certo: os incentivos aqueceram a economia, que cresceu 7,5% em 2010, último ano de seu governo. Sua sucessora, Dilma Rousseff, manteve a estratégia, mas ela não surtiu o efeito esperado. Defensor dos incentivos, o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, recebeu carta branca para ampliá-los. E perdeu a mão.
Com a promessa de evitar demissões, o governo desonerou a folha de pagamentos. Inicialmente, a medida contemplava 15 setores da economia. Em 2014, eram mais de 40. Dilma reduziu alíquotas de diversos tributos, entre eles PIS/Cofins, CSLL e Imposto de Renda. Do início ao fim de seu primeiro mandato, o gasto tributário aumentou quase 90%.
Meses após ser destituída do poder por um golpe parlamentar, a presidente reconheceu, em entrevista para uma tevê da Suíça, que “foi uma grande burrada” reduzir impostos quando o preço das commodities agrícolas e minerais estava em franco declínio. “Acreditava que, se diminuísse impostos, teria um aumento de investimentos. Diminuí e me arrependo disso. No lugar de investir, eles (os empresários) aumentaram a margem de lucro.”
Diante da resistência do empresariado em aceitar qualquer tipo de reoneração, o ajuste fiscal iniciado pelo ministro Joaquim Levy, no segundo mandato de Dilma, orientou-se quase exclusivamente para o corte de despesas. Com Meirelles e Temer, a situação foi levada ao paroxismo. Ao mesmo tempo que manejava a navalha nos gastos sociais, o governo passou a ampliar os benefícios fiscais e a perdoar dívidas bilionárias.
Acuado por duas denúncias da Procuradoria-Geral da República, por corrupção, organização criminosa e obstrução da Justiça, Temer cedeu a todo tipo de chantagem no Legislativo. O Programa Especial de Regularização Tributária, aprovado no fim do ano, permitiu o parcelamento de dívidas com a União em até 175 vezes, além de conceder descontos de até 90% sobre os juros e 70% sobre as multas. O total de renúncias pode chegar a 35 bilhões de reais nos próximos anos, segundo o governo, e até o momento os maiores beneficiados são os bancos.
Fonte: Carta Capital