Marcos Verlaine: A reforma administrativa visa apenas reduzir o papel do Estado

O governo Bolsonaro, ainda que não tenha apresentado formalmente, já divulgou alguns pontos da reforma administrativa. A medida pretende, entre outras coisas, revisar salários e número de carreiras do funcionalismo público, sob a falsa justificativa de controlar os gastos públicos. O jornalista, analista político e assessor parlamentar do Diap, Marcos Verlaine, a convite da ASSUFBA, fez um debate virtual com os servidores sobre o assunto. Também concedeu uma entrevista esclarecedora. Para ele, a contrarreforma quer somente reduzir o papel do Estado.

 ASSUFBA: Apesar de não ter apresentado formalmente, o governo Bolsonaro veiculou nos últimos meses indicativos sobre o teor da reforma administrativa. Qual é a sua opinião sobre a proposta?

Marcos Verlaine: De modo geral, a proposta, cujo conteúdo o governo ainda não divulgou formalmente, mas todos já conhecemos em linhas gerais que seu teor é muito ruim. A proposta segue o script das demais “reformas” — trabalhista e previdenciária, por exemplo. Recebe o nome de reforma, mas na prática é contrarreforma, pois visa apenas e tão somente reduzir o tamanho e o papel do Estado brasileiro. Isto é, não pretende corrigir imperfeições ou atualizar o que está superado em nível de gestão ou do alcance do Estado.

ASSUFBA: A reforma administrativa vai alterar direitos dos futuros servidores, como carreiras, salários e estabilidade. Para você, a medida contribui para a precarização e desmonte do serviço público?

MV: Com certeza. Como disse acima, o objetivo da proposta do governo Bolsonaro é reduzir o tamanho e o papel do Estado, a fim de acumular (economizar) recursos para o pagamento dos juros anuais, serviços e rolagem da dívida pública.

ASSUFBA: Quais os principais prejuízos para os servidores públicos?

MV: Os servidores terão o salário mais achatado. Não vai haver perspectiva de aumento dos vencimentos, pois serão implementadas políticas de congelamento de salário. Vai haver precarização das relações de trabalho, com a ausência de concursos públicos, fim de centenas de carreiras, pois na medida que não se realiza concursos, os servidores vão se aposentando sem reposição de novos quadros. Na ponta, enfatizo, os serviços serão mais precarizados, principalmente para os estratos sociais mais carentes, pois são os que mais demandam serviços públicos de modo geral. 

ASSUFBA: A população também perde?

MV: Perde muito! Perde, sobretudo, os estratos sociais mais carentes, que demandam muito os serviços do Estado ou públicos, como saúde, educação, segurança, infraestrutura, saneamento, entre outros. Como se vê, da mesma forma, os servidores dos setores citados acima serão bastante afetados com essa “reforma” de cunho fiscalista, isto é, políticas de austeridade fiscal, com propósito apenas de reduzir despesas, mesmo que essas impliquem na insegurança social da maioria da população.

ASSUFBA:  A argumentação do governo Bolsonaro é de que a reforma administrativa vai ajudar a frear os gastos públicos. Você concorda?

MV: Pura falácia! O principal e maior gasto do governo é financeiro e não com servidores, em termos salariais, ou com a Previdência, que é a segunda despesa do orçamento, depois da dívida pública. Ou seja, o governo gasta mais por ano com o pagamento do serviço, juros e rolagem da dívida pública, do que com salário de servidor.

A despesa com o Estado está muito aquém das necessidades exigidas para o desenvolvimento do país. O tamanho médio do Estado brasileiro é a metade do tamanho do Estado nos países desenvolvidos. No Brasil, há menos Estado que nos EEUU (Estados Unidos).

Em relação ao número de servidores, a proporção no serviço público nos países da OCDE (Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico), em 2013 foi de 21,3%; no Brasil, 12,11%; nos EEUU, 15,3%; nos países escandinavos, 35%.

ASSUFBA: Qual é o caminho a ser adotado pelo movimento sindical para barrar a aprovação da reforma?

MV: Levando-se em consideração a desigual correlação de forças no Congresso Nacional, não é provável que o movimento sindical consiga barrar a reforma. Este seria o melhor cenário, mas não creio que seja possível, salvo melhor juízo.

O cenário intermediário, mais realista, portanto, é trabalhar para alterar para melhor (aperfeiçoar, na medida do possível) os aspectos fundamentais da contrarreforma.

Diante disso, o movimento sindical precisa organizar-se para combater, com propostas alternativas, a proposta do governo. Isto é, não deve se limitar à apenas negar a proposta do Executivo. Deve formular propostas alternativas e viáveis — mesmo que não tenha número para viabilizá-las —, pois assim também dialoga com a sociedade, que ao fim e ao cabo é quem banca ou financia a máquina pública. 

Para isso, deve juntar forças e participar dos fóruns unificados, a fim de ampliar as possibilidades de convencimento no Legislativo federal.

As entidades devem atuar de forma profissional no Congresso, demandando pareceres e estudos abalizados sobre o tema, a fim de subsidiar o debate com os parlamentares. Devem investir na contratação de assessoria parlamentar, pois o “jogo jogado” no Legislativo requer profissionalismo, atuação (também) técnica, conhecimento das complexas regras do processo legislativo, do conteúdo da matéria e, por fim, mas não menos importante dos atores.