O SUS foi fundamental na pandemia. Mesmo assim, seus problemas de financiamento devem persistir

Desde a criação do SUS, em 1988, o financiamento das ações e serviços de saúde tem sido um problema. O regime de financiamento da seguridade social estabelecido pela Constituição em 1988 amarga desde aquela época um processo de desmonte progressivo, sempre sob o argumento da crise fiscal.

Foram propostas alternativas, sob a forma de percentuais orçamentários mínimos obrigatórios e novos tributos, como a CFMF. A prorrogação desta última foi rejeitada pelo Congresso em 2007 e, desde então, tentativas de restabelecer tributos específicos para o financiamento da saúde vêm sendo recusadas. Os percentuais orçamentários, por sua vez, têm se mostrado insuficientes.

Recentemente, o famigerado “teto de gastos”, impôs mais um obstáculo à efetivação da cláusula fundamental do direito à saúde. Além disso, o sistema de saúde “real” não é de fato único e, sim, um híbrido público-privado com um subsistema “suplementar” fortemente subsidiado pelo Estado.

Políticas econômicas contracionistas, articuladas com benefícios ao setor privado, em um país com altos níveis de desigualdade,  criam uma barreira quase intransponível à consolidação de um sistema de saúde verdadeiramente universal.

A pandemia da Covid-19 gerou enorme pressão sobre os serviços de saúde. Isso, por si só, afeta os níveis de atividade econômica: as medidas necessárias para conter a disseminação do vírus e as incertezas e instabilidades geradas pela pandemia comprimiram o investimento e o emprego.

O governo se viu obrigado a tomar medidas emergenciais que desviaram temporariamente da política de restrição fiscal. Foi implementado um programa emergencial de garantia de renda. Porém, o valor e a abrangência dos auxílios foram reduzidos prematuramente, levando mais da metade das famílias brasileiras à situação de insegurança alimentar em 2021.

Felizmente, a Covid-19 surge em um ponto da história em que contamos com autoridades sanitárias, especialistas e centros de pesquisa com capacidade para elaborar e propor rapidamente medidas de contenção. Em poucos meses, graças ao investimento substancial de recursos públicos em pesquisa e desenvolvimento, vacinas com bons níveis de eficácia e segurança foram desenvolvidas e distribuídas.

No Brasil, a grande capacidade tecnológica de laboratórios públicos como Biomanguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz, e o Instituto Butantan, em São Paulo, permitiu disponibilizar milhões de doses de imunizantes em curto espaço de tempo, a partir de acordos de cooperação com laboratórios internacionais. A organização e capilaridade do Programa Nacional de Imunizações e a extensa rede de serviços de atenção primária do SUS garantiram que as vacinas chegassem à população.

Ainda assim, a pandemia ceifou a vida de mais de 600 mil brasileiros. As medidas supressivas tiveram sucesso apenas relativo e o surgimento de variantes cobrou um preço alto.

Somente com o aumento da cobertura vacinal a pandemia começa a retroceder, mas chegamos ao final de 2021 sem termos alcançado ainda níveis seguros de imunização. A vacinação começou tarde, devido a circunstâncias ainda não totalmente esclarecidas que incluem a insistência na recomendação de terapêuticas ineficazes e a adoção de teorias obscuras e duvidosas sobre “imunidade de rebanho”