Reforma da Previdência: Passados mais de 21 anos, os mesmos interesses escusos: os tentáculos do mercado-financeiro ultra-neo-liberal

Por Rosana Cólen Moreno

 
Na década de 90, o governo brasileiro protagonizou tratativas para reformulação de todo o seu sistema previdenciário brasileiro. O discurso era o mesmo: aumento da longevidade do brasileiro e crise fiscal nos sistemas previdenciários.

Em 1995, no governo do então Presidente Fernando Henrique Cardoso, foi encaminhada ao Congresso Nacional a PEC 21/95, propondo uma minirreforma da Constituição Federal para “modificar o sistema de previdência social”.

A proposta foi amplamente criticada e refutada por entidades de classe, por juristas e especialistas em previdência. Foram apontadas inconstitucionalidades, inconsistências e estudos que apontavam que a proposta não seria a solução para os problemas da previdência social – RGPS e principalmente para os RPPS – dos servidores públicos.

O então Presidente da República, FHC, assim se pronunciou: “Não haverá nenhum arranhão na aposentadoria de ninguém, todo direito adquirido será respeitado”.

Já o Ministro da Previdência da época, Reinhold Stephanes, asseverou que “a reforma se tornou inadiável para assegurar o pagamento dos que estão aposentados, para acabar com o clima de intranquilidade entre os que estão por se aposentar, e possibilitar que a Previdência deixe de ser obstáculo ao aumento do salário mínimo” (O Globo de 12/3/1995).

O líder do governo na Câmara dos Deputados afirmou que “a proposta tem a missão de reverter um quadro deteriorado, que a cada dia deixa claro quanto é incerto o futuro do sistema” (Folha de São Paulo de 6/4/1995).

Via de contramão, entidades representativas da sociedade civil, como a Ordem dos Advogados do Brasil-OAB, a Associação Brasileira de Imprensa – ABI, e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC, afirmaram que a proposta era inconstitucional, além de que “os dados disponíveis indicam que os problemas financeiros da Previdência podem ser contornados com uma ação conjunta dos Ministérios da Previdência, do Trabalho e da Receita Federal, para diminuir o nível de evasão, combater a sonegação e incorporar aos sistema o mercado informal de trabalho” (O Estado de S. Paulo, de 30/3/1995).

O jurista Ives Gandra da Silva Martins, em palestra no Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP, afirmou que “a proposta do governo para a reforma da Previdência é mal redigida, tecnicamente imperfeita e tem aspectos que são inconstitucionais” (Folha de São Paulo, de 12/4/95).

O professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP, Dalmo de Abreu Dallari, fez o seguinte comentário: “a proposta é inconstitucional, pois fere a cláusula pétrea da Constituição que proíbe emendas abolindo direitos individuais, além de contrariar a norma básica, democrática e justa, da igualdade de todos perante a lei” (Folha de São Paulo, de 28/3/95). Segundo o mesmo especialista “o Brasil não precisa de emendas à Constituição Federal e, no caso da Previdência, por exemplo, as reformas poderiam ser feitas apenas aplicando o Código Penal contra os maus pagadores” (Gazeta do Povo, de 27/4/95).

Com o desdobramento da proposta original (uma vez que a PEC 21 trazia outras matérias estranhas à previdência), a reforma da Previdência passou a tramitar como PEC 33, em 1996. Para Ruy Brito de Oliveira Pedroza (A Nova Reforma da Previdência Social. Estudos e Pesquisas, Instituto de Proteção Social – IPROS. Coordenação Autônoma de Trabalhadores – CAT, setembro de 1995, p. 7), um dos pontos da proposta foi o fortalecimento do “modismo privatizante, moralmente inaceitável na área da previdência social, onde a contribuição financeira dos segurados mais pobres para o custeio do seguro que os proteja contra os infortúnios de doença, invalidez e morte não deve ser captada segundo a ótica das empresas seguradoras e do sistema bancário, interessados na exploração lucrativa do seguro de acidente do trabalho, e da previdência social, nos moldes do modelo chileno. Pois a transformação da previdência brasileira em um negócio lucrativo, com graves riscos de lesão irreparável, no futuro, aos direitos previdenciários dos trabalhadores será a consequência lógica do inevitável fracasso de uma reforma inadequada, na qual pontificam medidas como a desconstitucionalização do seguro de acidentes do trabalho e da prerrogativa da previdência oficial de constituir previdência complementar, mediante contribuição adicional. Que outra motivação inspiraria os artigos 6º e 15, com restrições discriminatórias (por isto mesmo, inconstitucionais) à previdência complementar mantida pelas sociedades de economia mista e outros entes estatais, se não o modismo privatizante, supostamente neoliberal, que privatiza os lucros e socializa os prejuízos, conforme a Nação acaba de presenciar com a solução encaminhada para o ‘rombo’ do Banco Econômico da Bahia e a aprovação em regime de urgência urgentíssima pela Câmara dos Deputados do projeto de anistia, que privilegia a minoria empresarial inadimplente com o parcelamento de seus débitos previdenciários? Ou será que os autores da suspeita proposta de discriminação ignoram que toda a previdência complementar mantida por empresas estatais ou privadas, é igualmente paga pelo consumidor/contribuinte? Sim. Porque as empresas privadas são favorecidas por incentivos fiscais. O que pagam aos fundos por elas patrocinadas, é deduzido do lucro antes da tributação. Isto para não falarmos de sua incorporação aos custos e transferência, nos preços de venda, ao consumidor”.

Prudente lembrar que na esteia do Consenso de Washington (afirmação de que o Estado estava falido e de que não se pode gastar o que não se tem), na época do governo FHC foram privatizadas empresas estatais, como a Vale do Rio Doce e Sistema Telebrás. Com as privatizações, surgiram muitas denúncias de favorecimentos para empresas internacionais na compra das estatais.

E com a previdência não foi diferente. A PEC 33 culminou na EC n. 20/1998, que introduziu no corpo da Constituição Federal de 1988, a regulamentação da previdência complementar para os trabalhadores da iniciativa privada e a previsão de instituição para os servidores públicos.

E passados mais de 21 anos da propositura inicial, o discurso é o mesmo, os interesses escusos são os mesmos. A PEC 287/2016, tem claras feições neoliberais. Com a nova proposta, pretende-se implantar um sistema de previdência complementar para os servidores públicos, abrindo espaço para o mercado financeiro, na medida em que pretende modificar substancialmente o § 15 do artigo 40 da CF/88, em sua redação atual, dada pela EC n. 41/2003: O regime de previdência complementar de que trata o § 14 será instituído por lei de iniciativa do respectivo Poder Executivo, observado o disposto no art. 202 e seus parágrafos, no que couber, por intermédio de entidades fechadas de previdência complementar, de natureza pública, que oferecerão aos respectivos participantes planos de benefícios somente na modalidade de contribuição definida.

A propositura para o mencionado § 15 do art. 40 pela PEC 287 é: O regime de previdência complementar de que trata o § 14 será instituído por lei de iniciativa do respectivo Poder Executivo e oferecerá aos participantes planos de benefícios somente na modalidade de contribuição definida, observado o disposto no art. 202. Veja-se que o artigo foi modificado ardilosamente, de forma a abrir espaço para o mercado financeiro, sem interferência do Poder Estatal.

E o artigo 15 da PEC 287 assim propõe: A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão adequar os regimes de previdência dos servidores titulares de cargos efetivos ao disposto nos § 14 e § 20 do art. 40 da Constituição no prazo de dois anos, contado da data de promulgação desta Emenda. Ou seja, estados e municípios terão um prazo de dois anos, a contar da data da promulgação da emenda, para instituir a previdência complementar para os seus servidores públicos. E todos os servidores públicos com idades inferiores a 50 (cinquenta) anos se homens e 45 (quarenta e cinco) se mulheres, que já estão no sistema, estarão sujeitos ao teto do INSS e o que sobrepujar este valor, será alocado para a previdência complementar.

Entretanto, urge o questionamento: como ficarão as contribuições dos servidores que contribuíram acima do teto antes da nova tratativa? Exemplificando: José ingressou na carreira de delegado, através de concurso público, em 2002 com 27 anos de idade.  Em 2017, José tem 42 (quarenta e dois) anos de idade e 15 (quinze) anos de contribuição. Pela PEC 287, José: i) só poderá se aposentar com valores até o teto do INSS; e ii) assim que for instituída a previdência complementar, terá que migrar para o novo sistema, uma vez que seu subsidio é maior do que o teto do INSS.

Ocorre que a previdência complementar exige aportes, feitos ao longo dos anos. No sistema capitalizado, tem-se que o benefício não é definido (sistema BD), mas sim a contribuição (sistema CD).  Por quanto tempo José terá que aportar contribuições para a previdência complementar para conseguir uma aposentadoria com proventos próximos do que ganhava em atividade?

Hoje, a previdência complementar somente é direcionada para o servidor que ingressar no serviço após sua instituição. Ou seja, hoje não abarca os servidores que já estão no sistema, como quer fazer a PEC 287. Com base nesta premissa, há de se indagar: o que será feito do resultado da diferença das contribuições? No mesmo exemplo, temos que com a PEC 287 e a instituição da previdência complementar, José passará a contribuir sobre o teto do INSS, e também para a previdência complementar. Acontece que durante 15 (quinze) anos, José contribuiu sobre o valor total dos seus subsídios e terá que enfrentar um novo sistema previdenciário. Os valores acima do teto do INSS, aportados por José serão vertidos para a previdência complementar, de forma corrigida?

Neste contexto, a previdência complementar é a saída para a previdência dos servidores públicos? Não. A complementação não pode simplesmente descaracterizar a função social da previdência. As causas da crise financeira não são unicamente pelo aumento da longevidade. A crise persiste e vai persistir se não se acabar com as fraudes, a má gestão, a desorganização administrativa, a dívida dos empregadores, dentre outros. Assim como em 1995, quando a privatização da previdência ganhou contornos, em 2017 estamos caminhando no mesmo caminho.

Em 1995, Ruy Pedroza assim se manifestou: “em vez da aplicação do Código Penal à dívida da minoria patronal faltosa, por se tratar de crime de sonegação e de apropriação indébita, a inadimplência continuou sendo estimulada por seguidos decretos de concessão de anistia”. E essas concessões, ao longo desses quase 21 anos, continuam a existir. E Pedroza foi além: “Em vez de aumentar a receita pela incorporação do mercado informal de trabalho, pelo aperfeiçoamento da fiscalização e do aparelho arrecadador e conter a despesa, dentre outras medidas, pelo combate às fraudes na concessão de benefícios -, a solução transitória do aumento das taxas e do teto de contribuições e da supressão de benefícios”. (Obra citada, p. 33).

Vale registrar que vários estados e municípios, optaram por fazer segregação de massas e criaram fundos capitalizados. No entanto, muitos desses fundos foram simplesmente dilapidados, como é o caso do Rio de Janeiro, que não suportou uma operação de altíssimo risco e outros que simplesmente desviaram os recursos dos fundos capitalizados (p. ex., AL, MG, RS). Contudo, municípios como Piracicaba em São Paulo e Messias em Alagoas, não desviaram recursos e os RPPS de ambos encontram-se superavitários.

Certo é que o sistema de repartição simples (pacto de gerações), não tem como se autossustentar frente à evolução da ciência. Para isso forma criados os fundos capitalizados (constituição de reservas durante a vida ativa), com custo de transição suportado com recursos do Banco Mundial. E teria dado certo…

A PEC 287 pretende abrir para o mercado financeiro a gestão dos planos de previdência complementar dos servidores públicos, através de entidades de natureza privada e com fins lucrativos. Vale dizer que nas entidades abertas, os planos de cobertura são comercializados por bancos e seguradoras, e podem ser adquiridos por qualquer pessoa física ou jurídica. São instituídas sob a forma de sociedade anônima (SA) e a relação com os participantes é contratual. Parte da rentabilidade vai para o plano e a outra parte para os bancos ou seguradoras.

Segundo a Profª Sara Granemann, (GRANEMANN, Sara. Não há nenhuma razão para trabalhador algum entrar numa forma de investimento tão perigosa. http://adufpel.org.br/site/noticias/sara-granemann-no-h-nenhuma-razo-para-trabalhador-algum-entrar-numa-forma-de-investimento-to-perigosa), “A necessidade de uma previdência complementar não é uma necessidade dos trabalhadores, é uma necessidade posta pelos limites dos negócios lucrativos, de crescimento do mercado e de mercadorias. As caixas do Estado não serão aliviadas. Esse é um argumento ideológico para justificar uma transferência de um gigantesco recurso para os interesses privados”.

Vale dizer que, os benefícios previdenciários, quando se trata de previdência complementar gerida por entidade aberta com fins lucrativos, não são garantidos constitucionalmente, na medida em que os planos são flexíveis e variam de acordo com a desenvoltura do mercado de capitais. É um planejamento em longo prazo e de alto risco, tendo em vista que o Brasil não é modelo de estabilidade econômica.

Não se pode olvidar ainda que novas fontes de receitas para os RPPS foram ventiladas, mas por questões políticas, as proposituras legislativas não foram votadas. Como exemplo, podemos citar o PL 472/2007 – prêmios de loterias estaduais (Art. 3º  – Do produto da arrecadação das loterias exploradas pelos Estados e pelo Distrito Federal, no mínimo 25% [vinte e cinco por cento] serão destinados ao fomento do desporto, à seguridade social e a outros programas sociais de interesse público, nos termos da regulamentação desta Lei) e do Projeto de Lei do Senado – PLS 16/2008 – DPVAT,  sendo que parte do rateio seria para as entidades gestoras dos regimes próprios de previdência social, instituídos no âmbito dos Estados, Municípios e Distrito Federal, destinados à composição dos recursos garantidores de benefícios de riscos concedidos e a conceder. Este último está arquivado.

Faltou vontade política (sic). Mas sobraram: nepotismo, favoritismos, apadrinhamentos políticos, empreguismo (dentro das unidades gestoras); manipulação política, enriquecimento ilícito de administradores, dilapidação do patrimônio, má aplicação dos recursos, malversação das reservas técnicas, e o não pagamento da parte patronal por entes, poderes e órgãos.

Ao comentar a Lei 3807/1960, Moacir Veloso Cardoso de Oliveira (A Previdência Social Brasileira e sua Nova Lei Orgânica, p. 13), profeticamente advertiu-nos: “O empreguismo, a manipulação político-partidária, o personalismo e o proveito próprio dos administradores são graves distorções do sistema, capazes de prejudicá-lo irremediavelmente”.

No mesmo sentido, Celso Barroso Leite (in a Crise da Previdência Social. Zahar Editores, 1981, p. 69): “O pior de tudo, sem dúvida, é o indevido emprego de recursos da Previdência Social – e aqui a expressão não deve ser outra, porque na prática só ela os tem – para fins eleitorais, através de empreguismo, negócios escusos, tráfico de influências, atendimento a pretensões descabidas, para só falar nas irregularidades mais ostensivas. Em muitos casos estas vão além da interferência política deturpada, chegando a configurar o ilícito administrativo e até o ilícito penal, com uma impunidade que, infelizmente muito nossa, estimula ainda mais as práticas malsãs”.

Pois bem. O resultado da nossa passividade é a crudelíssima PEC 287, que vai ao encontro dos interesses do mercado financeiro. “Os volumosos recursos financeiros movimentados pelo sistema previdenciário sempre foram cobiçados por bancos, seguradoras e empresas que exploram hospitais e empresas de medicina de grupo. Na tentativa de assumirem o controle do setor, lançam mão de todos os métodos de convencimento, corretos, ou não, conforme é do conhecimento de todos os que tratam da matéria, na área da previdência, ou fora dela” (PEDROZA, obra citada, p. 48).

Pedroza também deixou asseverado que: “nas empresas privadas há deficiências e fraudes. Evidenciam a falsidade do conflito estatização x privatização em se tratando de seguro social. E a razão é simples e clara. É de natureza ética. Pois é inadmissível que um setor destinado a proteger os mais pobres dos infortúnios sociais, seja explorado com o fito de lucro. Apesar de tão claros conceitos éticos em favor da gestão social para os infortúnios sociais, o lobby da mercantilização do sistema previdenciário e do seguro de acidentes no trabalho, é uma realidade presente no governo, no parlamento, na imprensa, e em outros setores, perseguindo seus objetivos, agora favorecido com o modismo chamado de neo-liberalismo”.

O lobby em torno da Previdência se explica pelo valor das cifras envolvidas. Se bem administrado, o negócio pode render milhões às instituições financeiras. Novamente citando Pedroza (idem, p. 50), temos a seguinte ilação: “José Arnaldo Rossi, de notórias ligações familiares e profissionais com seguradoras interessadas na privatização da previdência, atuou em favor desse objetivo quando presidente do INSS, sob o argumento da ineficiência da máquina estatal e da distorção da concepção destes seguros pela previdência”.

Mais de vinte e um anos passados e temos o Secretário de Previdência, do Ministério da Fazenda, Marcelo Abi-Ramia Caetano, como integrante do Conselho de Administração da Brasilprev – entidade privada patrocinadora de planos de previdência complementar. Mera coincidência? Seria hilário admitir que sim.

O que se pretendeu e o que se pretende, é o controle dos milionários recursos advindos da previdência social. É a substituição da poupança coletiva para contas individuais sujeitas a operações de risco e à “perfomance” do mercado financeiro. Vale reprisar que nesse tipo de negócio, os lucros são do empresário e os prejuízos são dos participantes. Também não há contrapartida do Estado. Isto quer dizer que, se o plano não for bem, azar do participante. E de forma boazinha, a PEC 287 deixa o mínimo dos mínimos (até o teto do regime geral), como garantia do Estado. Acontece que, com o congelamento dos gastos por 20 (vinte) anos, o limite hoje, que é de R$ 5.531,31 tende a sofrer desvalorização, um verdadeiro “achatamento”.  Quantos aposentados pelo INSS tiveram proventos iniciais de 10 salários mínimos e hoje recebem em torno de 3 (apenas para constatação)?

Outra manifestação de Ruy Brito de Oliveira Pedroza em 1995, que não poderíamos deixar de copiar: “Como pressuposto básico das propostas apresentadas deve ser realizada auditoria pública nas contas da previdência e nos estudos atuariais que servem de base para o estabelecimento das atuais taxas de contribuição de empregados e empregadores. Quase tudo isto poderá ser feito sem a necessidade de alterar a Constituição” (Idem, p. 65).

Pois bem. Quando da propositura da PEC 33 – EC n. 20/1998, não ouvimos especialistas da área, não fizemos a auditoria pública, não aplicamos o Código Penal para os sonegadores e responsáveis por desvios de recursos, não buscamos novas receitas (ao reverso, inventamos a DRU). Mudamos a Constituição. No final da década de 90, entregamos parcela da previdência dos trabalhadores da iniciativa privada para o mercado financeiro. E agora, esse mesmo mercado financeiro, com seus enormes tentáculos, quer parcela da previdência dos servidores públicos, de modo a ser compensado com o processo de impeachment ocorrido ano passado.

Para tal, o Ministro Henrique Meirelles teve o desplante de afirmar na Mensagem para o Presidente Michel Temer, contendo as justificativas da PEC 287 (EMI nº 140/2016 MF MPDG MDSA, Brasília, 5 de dezembro de 2016), que (item 24): “A Emenda nº 41, de 2003 acabou com a integralidade entre servidores ativos e inativos e estabeleceu a regra geral de cálculo de proventos dos servidores com base na média de contribuições, semelhante à aplicável aos segurados do RGPS. Foi também autorizada a criação de fundos de previdência complementar pelos Entes Federativos, permitindo, nesse caso, a limitação do valor dos benefícios ao limite máximo do RGPS”. E no item 26, que a sustentabilidade dos RPPS foi “ameaçada por problemas conjunturais e locais”. E no item 28: “Outro ponto a ser destacado é a recente instituição, pela União e por alguns poucos Estados, da previdência complementar para os servidores públicos, autorizada pela Emenda Constitucional nº 41/03. Trata-se de uma das mais eficientes medidas para garantia do equilíbrio financeiro e atuarial dos RPPS, razão pela qual é necessário promover alterações que conduzam os demais entes federativos a instituírem a previdência complementar, e a consequente limitação do valor máximo dos benefícios”.

Ora, pois! Qual a intenção do Ministro Meirelles ao afirmar que a previdência complementar para os servidores públicos foi uma criação da EC n. 41/2003? Omitir a política neoliberal por detrás da mefistofélica PEC 287? Por acaso pensa o Min. Meirelles que os únicos especialistas em previdência estão trancafiados no Ministério da Fazenda e que omitir e desvirtuar informações é a melhor forma de garantir a tramitação da draconiana PEC 287?

Está na hora da população acordar! O ciclo de maldades está para se completar e locupletar os principais atores desse circo midiático. A meu ver, as maldades preconizadas e patrocinadas têm que ser revistas. A maior dívida da previdência pública é para com o povo brasileiro. E a Proposta de Emenda Constitucional justa seria a de reparação dessa dívida, acompanhando a ciência, mas não separando a palavra social da previdência.

 

* Rosana Cólen Moreno é Coordenadora do Centro Avançado de Estudos Previdenciários – CAEP, da Confederação dos Servidores Públicos do Brasil – CSPB