Apagão de dados no Ministério da Saúde deixa país às cegas

O sistema do Ministério da Saúde sofreu um ataque de hackers no dia 10 de dezembro. Mais de 25 dias depois, a situação não voltou ao normal e a sociedade civil fica sem saber como estão os dados sobre Covid, doenças respiratórias, vacinação e outros temas extremamente relevantes para a população.

Coordenador do InfoGripe da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Marcelo Gomes relata que vai fazer quatro semanas que a instituição não recebe um relatório do Ministério da Saúde com dados sobre o conronavírus e outros patógenos que provocam doenças respiratórias. Dessa forma, não é possível fazer um mapeamento da transmissão do Sars-Cov-2 ou da Influenza A pelo país.

“As prefeituras e Estados têm sistemas próprios de acompanhamento, mas nem todos são compatíveis com uma lógica de coleta de informação. Não dá para fazer uma comparação. E esse problema não poderia acontecer em um momento pior. Temos uma epidemia de gripe e relatos de positividade para Covid voltando a subir, mas sem saber qual cenário verdadeiro disso”, explica o pesquisador.

Ele explica que é fundamental monitorar a situação da Covid, especialmente porque a ômicron está se espalhando pelo país, mas não se pode deixar de lado a importância do mapeamento da epidemia da Influenza. Segundo ele, os pesquisadores estimam que a H3N2 seja a causa do grande aumento de casos de doenças respiratórias no país porque pouco antes do “apagão” de dados, já se tinha informações sobre o surto de Influenza no Rio de Janeiro.

“A gente naturalizou a gripe, mas ela é também uma importante causa de internações por problemas respiratórios, especialmente entre crianças e idosos. E também as pessoas com condições crônicas para problemas respiratórios. Seria muito importante saber se agora temos casos de Influenza ou Covid, ou se é uma epidemia simultânea”, diz Gomes. Casos de “flurona”, que é a infecção simultânea pelos dois vírus, vêm sendo relatadas em diferentes partes do país nesta semana.

Para ele, a divulgação de dados concretos é fundamental não só para tomadas de decisões de gestores públicos, mas para ações individuais. “Saber o cenário poderia ter sido decisivo no Réveillon. Para muitas pessoas, isso é importante para decidir se faz uma festa para 15 ou para 100 pessoas”.

Professor da UFMG e membro do Comitê de Enfrentamento à Covid de Belo Horizonte, o infectologista Unaí Tupinambás afirmou que o “apagão” de dados impede um planejamento adequado e coordenado na área de saúde. “A gente não sabe para onde está indo. Podemos estar com 100 casos notificados, mas na verdade serem mil, ou o contrário. Se não tiver dados, meu planejamento fica fragilizado”, afirma.

Os municípios têm seus próprios sistemas de monitoramento de doenças, mas os dados gerais são necessários para um planejamento em maior escala. “Belo Horizonte não está em uma ilha. Tem que ter os dados de todos os municípios de maneira imediata”, completa Tupinambás.

Problema é ainda maior 

Para o professor Krerley Oliveira, coordenador do Laboratório de Estatística e Ciência dos Dados da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), responsável por uma plataforma que monitora a vacinação contra a Covid no país a partir de dados do Ministério da Saúde, o “apagão” de dados é reflexo de um problema maior do Brasil em trabalhar soluções inteligentes para a gestão da área de saúde e monitoramento de doenças.

“Desde o começo da pandemia, não há um monitoramento claro, unificado e transparente sobre o que vem acontecendo. Isso não foi tratado de forma adequada desde o início da pandemia”, afirma o pesquisador. “Eu não vejo, infelizmente, que aprendemos as lições apresentadas em 2020 e 2021. Poderíamos estar construindo um roteiro diferente para 2022”.

Questionado se é normal um tempo tão prolongado de problema no sistema, Oliveira diz nunca er visto nada parecido. “Não me lembro de nenhum caso com esse precedente em outras áreas. Nunca vimos um sistema bancário caindo por um mês ou um tribunal de Justiça ficar com site fora do ar por tanto tempo. Não podemos ficar com sistemas tão importantes quanto este da saúde fora do ar por tanto tempo”. 

A Prefeitura de Belo Horizonte informou que a instabilidade no sistema de dados do SUS não interferiu nos serviços prestados à população. Mas reconheceu que, em alguns dias, houve dificuldade para baixar os dados referentes a casos da Covid, impedindo a atualização do Boletim Epidemiológico e Assistencial.

O Ministério da Saúde foi procurado pela reportagem, mas não respondeu. Mas no dia 31 de dezembro, em coletiva à imprensa, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, falou sobre o assunto. Ele disse que a pasta não deixou de acompanhar os dados da pandemia por causa do problema. “Nós nunca ficamos no escuro porque os dados chegam ao Ministério da Saúde e são processados no âmbito da Secretaria de Vigilância em Saúde. Nós acompanhamos a evolução da pandemia em todos os estados e municípios do Brasil. Não estar público, não significa dizer que estamos trabalhando às escuras”, afirmou.