Entenda como as propostas da reforma trabalhista acabam com a CLT

O parecer apresentado pelo relator da Reforma Trabalhista, Rogério Marinho (PSDB-RN), altera 117 dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com o propósito de extinguir direitos dos trabalhadores. A proposição é bem mais ousada do que o projeto de lei originalmente apresentado pelo Poder Executivo e desloca o eixo de proteção social, baseado no princípio de que o ‘trabalho não é mercadoria’, para um sistema individualista, baseado na lógica do mercado, retrocedendo até mesmo aos princípios fixados no Código Civil Brasileiro.

As alterações propostas pelo relator alcançam não só o direito material trabalhista, como também o direito processual trabalhista.

Governo tem pressa e tamanho retrocesso deve entrar em votação no Plenário da Câmara ainda esta semana, antes da greve geral, marcada para o dia 28 de abril, sexta-feira. Entenda, abaixo, algumas mudanças propostas.

• Tempo à disposição do empregador

Hoje: O artigo 4º da CLT e a súmula 366, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), consideram como “atividade efetiva”, o tempo em que o empregado está à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens.

Como fica: O substitutivo exclui do tempo à disposição do empregador: descanso; estudo; alimentação; atividade de relacionamento social; higiene pessoal; troca de uniforme. Com isso, essas atividades poderão ser descontadas pela empresa da jornada de trabalho, diminuindo ainda, pagamento de horas extras.

• Redução da possibilidade de anulação de acordos ilícitos

Como fica:  De acordo com o texto do substitutivo, súmulas, orientações jurisprudenciais (OJs), enunciados – todos editados pelo TST e pelos Tribunais Regionais do Trabalho (TRT) – deverão ter como baliza a intervenção mínima no que o relator chama de autonomia da vontade coletiva. Isso implica dizer que o acordo ou convenção coletiva, ainda que reduzam (e até mesmo retirem) direitos, não poderão ser anulados pela Justiça do Trabalho. Isso permitirá ainda que acordos coletivos, mesmo quando inferiores, prevaleçam sobre convenções coletivas.

• Desconsideração das horas in itinere (trajeto casa-trabalho e vice-versa) na jornada

Hoje:  As chamadas horas in itinere são o tempo despendido pelo empregado, em condução fornecida pelo empregador, até o local de trabalho de difícil acesso, ou não servido por transporte público regular. Nesse sentido, o TST firmou entendimento, por meio da súmula 90, que tais horas são computáveis na jornada de trabalho.

Como fica:  O deslocamento do trabalhador para o local de trabalho (caso o transporte não seja acessível) deixa de ser considerado tempo à disposição do empregador, contrariando a jurisprudência.

• Fortalecimento dos acordos individuais em detrimento da lei

Hoje:  Os acordos individuais não podem mitigar o conteúdo de lei, mesmo em troca de situação mais vantajosa para o trabalhador.

Como fica: O substitutivo vai além da possibilidade de prevalência do negociado sobre o legislado para dar um caráter de lei também àqueles acordos feitos entre um empregado e o empregador, os chamados acordos individuais. Eles passam a ter força normativa, o que gera uma precarização do direito do trabalho, à medida que tira a proteção legal do trabalhador sem hipossuficiência, sujeito a chantagens. Poderão ser objeto de acordo individual: parcelamento de férias, banco de horas, jornada de trabalho, jornada em escala (12×36).

• Possibilidade de exceder jornada de trabalho

Hoje:  Segundo o artigo 61 da CLT, a duração do trabalho poderá exceder o limite legal (8h diárias e 44 semanais) ou convencionado, se ocorrer necessidade imperiosa, seja para fazer face a motivo de força maior, seja para concluir serviços inadiáveis ou cuja inexecução possa acarretar prejuízos.

Como fica: Torna possível exceder a jornada de trabalho legal ou convencionada, sem acordo ou convenção coletiva, e sem a necessidade de comunicação prévia de 10 dias à autoridade competente à matéria trabalhista.

• Parcelamento de férias

Hoje:  O § 1º do artigo 134 da CLT permite o parcelamento de férias em dois períodos somente em casos excepcionais. Mesmo assim, um dos períodos não pode ser inferior a 10 dias.

Como fica: Segundo o substitutivo, o parcelamento de férias poderá ser feito em até três vezes, sendo que um período não poderá ser inferior a 14 dias.

• Fim da obrigatoriedade da contribuição sindical

Hoje: Segundo o artigo 579 da CLT, a contribuição sindical é devida por todos aqueles que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão.

Como fica:  O substitutivo apresentado propõe-se a alterar a forma de cobrança da contribuição sindical, hoje, obrigatoriamente devida por todos os trabalhadores e empregadores. Ao exigir a anuência do empregado, o objetivo do substitutivo é reduzir o financiamento da atividade sindical. Dessa forma, o texto restringe de forma contundente o financiamento das entidades representantes de trabalhadores, o que invariavelmente levará ao seu enfraquecimento, e, simultaneamente, ao rebaixamento dos padrões trabalhistas de seus representados.

• Trabalho intermitente

Como fica: O substitutivo cria o trabalho intermitente – contrato de trabalho não contínuo, mas subordinado. Pode ser determinado em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado. É uma forma de precarização das relações de trabalho, pois transfere o risco do negócio da empresa para o empregado, que fica à disposição integral do empregador à espera de ser chamado para executar o trabalho. O texto estabelece ainda que se convocado pelo empregador em três dias para o trabalho intermitente, o empregado poderá recusar, mas se aceitar, não poderá faltar sem motivo justificado, sob pena de multa de 50% sobre o valor da remuneração. É o primeiro caso de multa a ser aplicado ao empregado que se tem na história.

• Trabalho remoto

Como fica: O substitutivo cria um capítulo específico para dispor sobre o teletrabalho, que é a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador (não necessariamente em casa), com a utilização das tecnologias da informação e comunicação que, por sua natureza não se constituam como trabalho interno. O teletrabalho pode ser uma estratégia de não pagamento de auxílio alimentação, hora-extra e outras verbas relacionadas à jornada de trabalho, mesmo que o trabalhador a exceda para realizar as tarefas.

• Jornada 12h x 36h e insalubridade

Hoje: A CLT não dispõe sobre a jornada de 12hx36h. No entanto, a súmula 444 do TST, aceita esse tipo de jornada, desde que ajustada exclusivamente mediante acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva de trabalho e que pague em dobro quando o trabalho recair nos feriados e domingos.

Como fica: A jornada fica flexibilizada para permitir que todos os empregadores possam fazê-la apenas por meio de acordo individual. Com isso, o objeto do acordo pode retirar o pagamento em dobro do trabalho realizado em domingos e feriados.

• Dano moral e patrimonial

Hoje:  Hoje, a responsabilização do empregador por dano moral ocorre na grande maioria dos casos. Em relação ao valor indenizatório, este deve servir como objeto de satisfação e de compensação pelos danos sofridos e deve ser fixado por arbitramento, levando em conta as circunstâncias do caso.

Como fica:  O juízo fixará a indenização a ser paga a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação: I – ofensa de natureza leve, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido; II – ofensa de natureza média, até dez vezes o último salário contratual do ofendido; III – ofensa de natureza grave, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido. O trabalhador poderá ser condenado por dano moral, sem prejuízo de multa, caso o Judiciário entenda que as alegações não sejam verdadeiras. Esse dispositivo pode inibir os trabalhadores de ingressarem na Justiça trabalhista.

• Término do contrato de trabalho por comum acordo

Hoje: A CLT dispõe que a terminação do contrato de trabalho seja feita com o pagamento de todas as verbas devidas aos trabalhadores, inclusive multa de 40% em caso de demissão sem justa causa. Isso porque os direitos trabalhistas são indisponíveis e irrenunciáveis ante a sua natureza alimentícia e de ordem pública.

Como fica:  O substitutivo prevê a chamada “demissão de comum acordo”. Ou seja, empregado e empregador, em acordo individual, podem indispor de seus direitos, com a redução das verbas devidas em até 50%. Esta norma é inconstitucional.

• Dificuldades de acesso dos trabalhadores à Justiça do Trabalho

Como fica: As modificações que se pretendem introduzir no §§ 3º e 4º do artigo 790 da CLT objetivam dificultar: a obtenção da justiça gratuita; a possibilidade do trabalhador ser responsabilizado pelo pagamento de honorários periciais se for sucumbente no objeto da perícia, mesmo se beneficiário da justiça gratuita; responsabilização do trabalhador em honorários de sucumbência; condicionamento do ajuizamento de nova ação pelo empregado que tenha faltado à audiência ao prévio pagamento das custas do processo arquivado, ainda que seja beneficiário de justiça gratuita.

• Regime de tempo parcial de trabalho

Hoje: A Constituição Federal prevê que a duração normal do trabalho não deve exceder oito horas diárias e 44 horas semanais, sendo facultada a redução de jornada. O artigo 58-A da CLT considera trabalho em regime de tempo parcial aquele cuja duração não exceda a 25 horas semanais, sem direito a horas extras, conforme o artigo 59, § 4º.

Como fica:  Trabalho em regime de tempo parcial é aquele realizado nas seguintes condições: com duração de até 30 horas semanais, sem direito a horas suplementares ou com duração de 26 horas semanais, com permissão para até seis horas extras. Portanto, a jornada pode chegar a 32h. Ressalte-se que o valor da hora suplementar é de 50% além da hora normal. Com a alteração da proposta, essa jornada de tempo parcial poderia chegar a 73% daquelas admitidas no contrato de trabalho em tempo integral. Diante disso, tornar-se-ia tênue o limite entre tempo parcial e o tempo integral, o que descaracterizaria completamente a natureza do regime de tempo parcial. Avaliamos que as alterações levam ao encorajamento da substituição de empregados em regime integral por empregados em regime parcial.

• Representante dos trabalhadores no local

Hoje: O artigo 11 da Constituição Federal dispõe que nas empresas como mais de 200 empregados é assegurada a eleição de um representante dos trabalhadores com a finalidade exclusiva de promover o entendimento direto com os empregadores.

Como fica: O projeto regulamenta o referido artigo e dispõe sobre a forma como será feita a eleição, a qual deverá ser convocada por edital com antecedência mínima de 15 dias. Para tanto, o edital deverá ser afixado na empresa, com ampla publicidade, para inscrição da candidatura, que será independente de filiação sindical. Será eleito o candidato mais votado por meio do voto secreto e terá mandato de dois anos, permitida uma reeleição. Na forma como está no texto, poderá haver conflito entre o representante eleito e o representante sindical da categoria, já que ambos têm algumas funções em comum.

• Prevalência do negociado sobre o legislado

Hoje: O TST e o Supremo Tribunal Federal (ST) têm entendimento no qual a negociação coletiva deve ser sempre mais vantajosa para os trabalhadores que a lei. Logo, uma negociação coletiva não pode extinguir direitos.

Como fica: O substitutivo viabiliza a prevalência do negociado sobre o legislado, em relação a 13 itens presentes nos incisos do artigo 611-A da CLT, independentemente de seu conteúdo. Em outras palavras, já que o ordenamento brasileiro já prevê, incontroversamente, a prevalência do negociado sobre a lei sempre que a negociação significar a criação de novo benefício ou a ampliação de benefício já previsto em lei, conclui-se que o único propósito do PL 6787/16 é permitir a exclusão de direitos trabalhistas pela via negocial.

• Enfraquecimento da Justiça Trabalhista

Como fica: O substitutivo propõe alterações na competência infraconstitucional da Justiça do Trabalho, de forma a reduzir seu poder de atuação. Um dos dispositivos temerários diz que para firmar súmulas, orientações jurisprudenciais e outros enunciados será necessário o voto de pelo menos dois terços de seus membros, caso a mesma matéria já tenha sido decidida de forma idêntica por unanimidade em pelo menos dois terços das turmas em pelo menos dez sessões diferentes em cada uma delas. Essas regras restringem o poder de decisão dos tribunais, principalmente em relação ao estabelecimento de jurisprudência. Com isso, fica evidente a intenção do substitutivo em aniquilar o poder da Justiça do Trabalho.

 

*Informações da Assessoria Técnica da Liderança do PCdoB na Câmara.