Marcados: vítimas de homicídios na Bahia são homens, negros e jovens

Dados apresentados  pelo Atlas da Violência, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apontam que homens, negros e jovens – com menos de 30 anos – são a maioria das vítimas de homicídios ocorridos na Bahia em 2017. Dentre as 7.487 vítimas de assassinatos registrados pela pesquisa naquele ano, 7 mil eram homens (93% do total), 6.798 negros (90%) e 4.522  tinham entre 15 e 29 anos (60%). Em todo o Brasil, foram 65.602 mortes em 2017, contra 62.517 no ano anterior – o que corresponde a aumento de 4,9%. 

A curva ascendente foi registrada também na Bahia, onde o crescimento foi de 4,4% – em 2016, foram 7.171 assassinatos. Para realizar a pesquisa, Ipea e Fórum Brasileiro de Segurança Pública utilizam dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde. 

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) informou que desconhece a metodologia empregada pela pesquisa e sequer teve acesso ao conteúdo, “portanto não comentará os dados apresentados”. 

A pasta lembrou que fechou 2018 com uma  redução de 11% das mortes violentas na Bahia, menor número dos últimos  seis anos.

“Por fim, destaca que nos cinco primeiros meses de 2019, a queda  está em 14,8%, números divulgados também por pesquisas de outros  institutos”, diz nota.

No primeiro trimestre de 2019, segundo a SSP-BA, houve queda nas mortes violentas de 18,8%. 

Liderança
Por outro lado, o Atlas da Violência aponta que a Bahia se mantém na liderança nacional em números absolutos de homicídios, à frente de estados como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, que são mais populosos. Na taxa de homicídios, a Bahia aparece na oitava posição, com taxa de 48,8 mortes para cada 100 mil habitantes.

Entre homens jovens, o índice é maior ainda, de 228,7 mortes por 100 mil habitantes. Neste grupo, o volume de homicídios foi de 4.313. Considerando somente o público jovem (homens e mulheres), foram 4.522 mortes – 119,8 para cada 100 mil habitantes.

No histórico entre 2007 e 2017, o número de assassinatos no estado mais que dobrou – naquele ano, foram 3.659 mortes, o que representa aumento de 104,6%. Se for levada em consideração da taxa por 100 mil habitantes, o crescimento neste mesmo período foi de 87,8%. Em 2007, o índice de assassinatos no estado foi de 26%, ainda de acordo com o Atlas. 

Quem tem maior volume de homicídios é o Rio Grande do Norte, com taxa de 62,8 mortes por 100 mil habitantes, seguido de perto pelo Acre (62,2) e pelo Ceará (60,2). São Paulo tem o menor número, com taxa de 10,3 mortes por 100 mil habitantes. Santa Catarina (15,2), Piauí (19,4), Distrito Federal (20,1) e Minas Gerais (20,4) aparecem logo em seguida. Considerando o número total do país, a taxa do Brasil ficou em 31,6 por 100 mil habitantes. 

Os pesquisadores que elaboraram o Atlas alertam que, “para além da questão da juventude, os dados descritos nesse relatório trazem algumas evidências de um processo extremamente preocupante nos últimos anos: o aumento da violência letal contra públicos específicos, incluindo negros, população LGBTI, e mulheres”. 

O número de homicídios de mulheres na Bahia, por exemplo, aumentou acima da média registrada em 2017 no estado – saltou de 441 em 2016 para 487 no ano seguinte, equivalmente a 10,4% de elevação. Em todo o país, o crescimento foi de 6,3% – de 4.645 para 4.936. 

A Bahia também foi o estado com maior diferença apresentada entre os sistemas de informação da saúde (usado pelo Atlas) e da segurança (utilizado pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública). No estado, o número do SIM foi 572 maior do que o da segurança. 

Perfil desenhado
Segundo o pesquisador Luiz Claudio Lourenço, integrante do Laboratório de Estudos sobre Crime e Sociedade da Universidade Federal da Bahia (Lassos/Ufba), o Atlas mostra o que pesquisas já vêm apontam ao longo dos últimos anos.

“Esse perfil vive na periferia, pauperizado, não tem direitos, não tem acesso à cidadania, oportunidades que outros perfis têm. O branco rico da Pituba dificilmente vai ser alvo”, afirma. 

Para ele, o questionamento feito pela SSP-BA em relação à metodologia não vai reduzir as mortes. “Mudar a metodologia da apuração dos dados não apura homicídio. É preciso investir na política pública para solucionar homicídios. Vemos muito pouco foco para resolver os casos”, afirma ele. 

Lourenço pontua que a taxa de resolutividade dos crimes é muito baixa, na Bahia, inclusive. “Parece que é o crime perfeito. Temos, ainda, um número alto de homicídios, o que representa uma dificuldade para se resolver”, diz o especialista. 

(Infografia: CORREIO Gráficos)

Para o coordenador-geral do Coletivo de Entidades Negras (CEN), Yuri Silva, os dados mostram aquilo que já se sabia: “Que a morte no Brasil tem cor, raça, gênero e faixa etária. Que são os homens negros jovens periféricos que são assassinados pela violência urbana e pela guerra do Estado contra a população negra, e que são as mulheres negras as que mais morrem entre as mulheres”. 

Dentre as 487 mulheres assassinadas em 2017, 85% eram negras, segundo o Atlas. “Estes e estas, quando não são mortos, sofrem outro tipo de genocídio, que é o encarceramento. O importante para o Estado é tirar de circulação. E o que vemos é que a guerra às drogas – na verdade, uma guerra ao povo negro – é a principal desculpa pra esse fenômeno social abominável”, afirma. 

Para ele, os números continuam aumentando porque os atores do “poder público preferem sempre dobrar a aposta em políticas de repressão, mais armamento, mais aparato de violência nas ruas de bairros periféricos e favelas, o que aponta para critérios territoriais racistas na atuação dos órgãos de Segurança”, pontua. 

Na opinião de Luiz Cláudio Lourenço, investimentos em políticas básicas, como saúde, educação e transporte funcionam para reduzir os índices de violência no longo prazo. No curto e médio, é preciso investir na resolução dos crimes. “Não se pode tratar questões secundárias. É preciso ter políticas focadas  para o homicídio. Quem são as vítimas, os autores? A partir dessa definição, vamos achar alguma solução”, aponta. 

Norte e Nordeste
Os dez estados com maiores índices de homicídios são todos das regiões Norte e Nordeste, de acordo com dados do Atlas da Violência. Na liderança está o Rio Grande do Norte (62,8 mortes por 100 mil habitantes). Depois estão Acre (62,2), Ceará (60,2), Sergipe (57,4) e Pernambuco (57,2). Pará (54,7) e Alagoas (53,7) aparecem antes da Bahia, cuja taxa é de 48,8. Amapá (48,0) e Roraima (47,5) completam a lista dos dez maiores. 

(Infografia: CORREIO Gráficos)

Os pesquisadores que elaboraram o Atlas dizem que, nos últimos anos, enquanto houve uma residual diminuição nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, observou-se certa estabilidade do índice na região Sul e crescimento  acentuado no Norte e no Nordeste. 

“Possivelmente, o forte crescimento da letalidade nas regiões Norte e Nordeste, nos últimos dois anos, tenha sido influenciado pela guerra de facções criminosas deflagrada entre junho e julho de 2016, entre os dois  maiores grupos de narcotraficantes do país”, dizem. 

Outros dois fatores estão relacionados. Primeiro, desde os anos 2000, o Brasil foi assumindo gradualmente posição estratégica como entreposto para exportação de cocaína para a África e Europa, em decorrência da redução da produção na Colômbia e aumento na Bolívia e Peru. Em segundo está o “processo de expansão geoeconômica das maiores facções penais do Sudeste pelo domínio de novos mercados varejistas locais de drogas, assim como novas rotas para o transporte de drogas ilícitas”.

Para Luiz Cláudio Lourenço, do Lassos/Ufba, o dinamismo econômico potencializou o comércio de drogas: “Com mais voos para a Europa, o Nordeste entrou nessa rota. Além disso, a droga passou a chegar também pelo Norte, não só pelo Sudeste”.

Fonte: Correio