Mírian Reis: Um dos pilares fundamentais da Unilab é o princípio de solidariedade entre os povos

Em entrevista ao Sindicato, a diretora do Campus dos Malês da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, Mírian Reis, que participou do Primeiro Ciclo de Diálogos Transatlânticos da ASSUFBAUnilab: cruzando a Linha Kalunga de volta para a África, ressaltou a importância de defender a permanência estudantil para existência da Universidade, que se diferencia pelo compromisso com políticas que promovem a equidade. Para ela, defender o Campus dos Malês é uma ação de reparação da dívida histórica com as populações negras da África e da diáspora.

ASSUFBA: O que diferencia o projeto da Unilab das outras universidades?

Mírian Reis: Acho que a primeira coisa a falar do projeto da Unilab é sobre um dos pilares fundamentais da instituição, que é o princípio de solidariedade entre os povos. É um diferencial que nos coloca em uma condição de uma universidade jovem, no interior do Ceará e da Bahia, e ao mesmo tempo fora do país. Ou seja, ao mesmo tempo é internacional e interiorizada. Então, ela tem como diferencial também essa relação com os países africanos de língua portuguesa. Nós recebemos alunos de Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e lá no Ceará do Timor Leste. É uma universidade distinta porque apesar de ter algumas premissas como as outras têm, como o livre pensamento e a promoção do conhecimento científico/acadêmico; nós temos nos nossos projetos político-pedagógicos o compromisso com políticas e com ações que promovam a equidade, igualdade de gênero e de raça, de classe e especialmente um olhar singular sobre as questões ligadas à igualdade racial.

ASSUFBA: Vocês têm uma preocupação com uma epistemologia menos ocidentalizada?

Mírian Reis: A gente tem o compromisso de produzir um conhecimento decolonial que revise essas epistemologias que estão aí, hegemônicas, e que rasure os lugares que estão colocados especialmente para as populações negras, tanto do Brasil quanto da diáspora.

ASSUFBA: Sobre os ataques ao Campus dos Malês. Como eles têm sido executados? Como vocês vêm sentindo?

Mírian Reis: A gente sofre de um modo geral com os reflexos de algumas políticas que são de sabotagem ao ensino superior e está aí a EC 95 para congelar os gastos em educação e saúde por 20 anos, isso no âmbito mais geral. Mais especificamente, a gente sofre muito por ser uma universidade no interior e por ter um número grande de estudantes internacionais. As políticas que garantem permanência desses alunos também são sabotadas. Então se os recursos para permanência estudantil têm sido minados, é claro que a nossa existência também. Por que de que serve uma universidade sem estudantes? De quê adianta a gente criar um leque de editais com uma política de acesso inclusivo se a gente não tem condição de permanência desses estudantes nas cidades do interior onde nós funcionamos? Então, esse é um problema que nos afeta muito sensivelmente porque agrava mesmo as condições de estudo do corpo estudantil, que é o fim maior de uma universidade.

ASSUFBA: Qual a importância de defender o campo dos malês?

Mírian Reis: A gente oferece hoje no Campus dos Malês seis cursos: Bacharelado de Humanidades, com terminalidades em Pedagogia, História, Ciências Sociais e Relações Internacionais, além do curso de Letras. Se você der uma olhada no projeto político-pedagógico dos nossos cursos vai entender como eles conversam com o legado histórico brasileiro, em que é necessário promover reparação de igualdade. Os nossos currículos são diferenciados, a gente trabalha mesmo com a aplicação da legislação que fala de introdução de cultura de história afrobrasileira e africana no ensino. A gente tem currículos que buscam a revisão dessas epistemologias hegemônicas. Então, defender o Malês é defender um projeto de educação que é distinto, que é subversivo também e tem uma razão de estar aqui. O Campus dos Malês – e não é à toa que a gente carrega esse nome -, está na cidade de São Francisco do Conde, um município que é majoritariamente negro, dentro do recôncavo da Bahia, um lugar que tem uma dívida histórica com os povos africanos. Então, defender o Malês é defender essa necessidade de reparação dessa dívida. É defender a necessidade de reescrever a história do Brasil a partir do legado que os nossos ancestrais trouxeram para nós; em uma travessia que foi de escravização e que agora a gente reescreve em uma travessia pelo conhecimento, pelo ensino, pela cidadania e pela inclusão.